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No trabalho que se faz com as categorias gramaticais na escola, a ênfase recai sobretudo na classificação das palavras em uma determinada classe (substantivo, adjetivo, pronome etc.), em uma subclasse (concreto, abstrato, definido, indefinido etc.) e flexão (variável e invariável). O importante, a meu ver, é que, ao tratar das formas linguísticas, se enfatize que elas existem para produzir sentidos, o que leva ao pressuposto de que os textos devem ser o ponto de partida do trabalho do professor de língua portuguesa.
O sentido dos textos verbais se manifesta por meio de palavras que se combinam segundo regras da língua. Pode-se distinguir entre as palavras da superfície do texto aquelas que remetem a referentes existentes no mundo natural e aquelas que remetem a conceitos e ideias. Evidentemente, estou me referindo a palavras lexicais (substantivos, adjetivos, verbos), deixando de lado as palavras gramaticais (preposições, conjunções, artigos).
Dependendo do referente, as palavras classificam-se em concretas (aquelas que remetem a referentes do mundo natural) e abstratas (aquelas que referem-se a conceitos e ideias). As primeiras apontam para referentes perceptíveis sensorialmente. As segundas remetem, não ao sensível, mas ao inteligível. Aqui é necessário que se abra um novo parêntese. A categoria /concreto vs. abstrato/ é tratada na escola apenas quando se faz referência à classe dos substantivos. Na realidade, toda palavra lexical pode ser enquadrada na categoria /concreto vs. abstrato/. Assim, temos verbos concretos como nadar, coçar, escrever e verbos abstratos como pensar, julgar. Há adjetivos concretos como verde, azul, alto, baixo, liso, áspero e adjetivos abstratos como feliz, estúpido.
Essa distinção é importante na medida em que possibilita observar dois tipos de texto, quando se leva em conta a predominância de palavras concretas ou abstratas. Denominam-se figurativos aqueles em que há predomínio de palavras concretas, as figuras. Dá-se o nome de temáticos àqueles em que há o predomínio de palavras abstratas, conceitos, ideias (temas). Os primeiros remetem ao mundo natural, o que lhes confere efeito de sentido de realidade; os segundos interpretam o real, pois remetem a valores (inveja, orgulho, arrogância etc.). Os primeiros representam o real; os segundos interpretam o real.
Os textos figurativos são mais comuns nas narrações; os temáticos têm maior frequência em textos argumentativos. Nos textos figurativos, as figuras servem como revestimentos aos temas, dando concretude a eles. Ressalvo que, quando se fala em textos temáticos e figurativos, levamos em conta a dominância de figuras ou de temas, pois mesmo em textos temáticos há presença de figuras.
Pense nos dois textos a seguir:
1. Roupa suja se lava em casa.
2. Divergências de natureza pessoal não devem ser discutidas em espaço público para que a privacidade não seja exposta.
Os dois dizem praticamente a mesma coisa. O primeiro é um texto figurativo, pois o tema vem recoberto figuras, que são percebidas sensorialmente: roupa, suja, lavar, casa, dando ao leitor um sentido de concretude.
O segundo é um texto temático, pois seu conteúdo é transmitido por meio de palavras que remetem a conceitos, ou seja, por meio de palavras abstratas (divergências, privacidade, intimidade, desavenças). Trata-se de um texto temático.
Na leitura de textos literários, devemos atentar que esses são textos predominantemente figurativos, o que significa que as palavras concretas (figuras) encobrem temas, isto é, conceitos. Dessa forma, ao ler o conhecido poema de Drummond, em que se fala “No meio do caminho tinha uma pedra”, deve-se estar consciente de que caminho e pedra são figuras que revestem um tema, ou seja, o concreto recobre o abstrato. A leitura competente será então a construção desse sentido abstrato a partir desses elementos concretos presentes no nível mais superficial do texto.
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