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Tive um fim de semana triste. Melancólico, comecei a sentir saudade do que deixei de ser: um professor que não ensinou algumas coisas que, com o passar dos anos, vim a aprender. Coisas simples, como as conjunções, aquelas palavrinhas que usamos para relacionar orações: porque, quando, se, ou, logo, caso, enquanto, embora, etc. e que nos permite organizar o discurso.
Hoje, descobri que, como as abelhas, as conjunções têm uma rainha: a concessiva, que paira soberana sobre todas as outras, que não são poucas. Para quem não lembra, a principal conjunção concessiva é embora.
A aditiva soma; a alternativa, ao contrário, separa, disjunge, exclui, segrega. A conclusiva é muito lógica, racional, cartesiana: penso, logo existo. A temporal serve para marcar essa coisa fugidia que chamamos tempo. Aí me vem Santo Agostinho, que nas suas Confissões pergunta: “Que é o tempo?”. Se o bispo de Hipona não soube responder, não será esse professorzinho besta que o fará. A condicional é terrível: autoritária, por excelência. Impõe.
Alguém já deve estar pensando: Se você continuar a ser essa besta convencida, vou parar de ler. A conjunção final é pragmática demais: coloca sempre um objetivo, uma finalidade. Ela dá adeus à liberdade, ao arbítrio. E a causal? Sempre está enxergando um motivo para tudo. É, como a explicativa e a conclusiva, da ordem do racional. Mais ainda: está sempre a ver entre dois fatos uma implicação e não consegue se divorciar da consecutiva com a qual vive em simbiose, não abrindo espaço para o inesperado. É a conjunção da rotina e da ausência de paixão. E a comparativa? Parece que sofre de transtorno bipolar. Sempre olhando para os outros. Ora eufórica se julgando melhor que as outras, ora se subestimando. É por natureza maníaco-depressiva. A proporcional é o máximo da dependência. É de um rigor matemático. Quando algo se altera, lá vai ela e se altera também. Vive em eterno contubérnio. As conjunções, como se vê, são racionais ao extremo, nos obrigam. Não nos deixam espaço para a subversão.
Devia ter explicado a meus alunos que há uma conjunção que nos dá a oportunidade de fugir a esse pensamento lógico-racional, uma conjunção que nos permite a trapaça: a concessiva. Ela é de outra ordem, da ordem da tolerância, da convivência com o diferente, do respeito ao outro, ainda que esse outro não pense como nós, ou não goste de nós e nos descarte como matéria que não se presta nem mesmo para ser reciclada. É a conjunção do respeito, da aceitação, da tolerância. Concessão é admitir uma ideia contrária, transigir, consentir. No ato de conceder, há a entrega, o dar-se, o dom, a dádiva, na medida em que você cede parte de você a outrem. É a conjunção do desprendimento, do respeito. Ela tem algo de budista, pois manifesta o desapego. É também da ordem do perdão. Não é egoísta. Sendo altruísta, é a conjunção do amor pleno. A concessiva é nobre porque releva a ofensa: Embora você tenha me ofendido, eu continuo gostando de você.
Para amplificar minha tristeza, hoje percebo que não falei nada disso nas minhas aulas, simplesmente porque não sabia isso naquele momento, o que confirma que sempre fui um professorzinho besta. Demorei para aprender, mas a vida me ensinou a ser mais concessivo depois de levar muita porrada.
Aos meus queridos alunos e ex-alunos, muitos dos quais são meus amigos aqui, desculpem-me pela extemporaneidade da aula.
PS.: Este texto foi publicado inicialmente em minha página no Facebook em 27 de março de 2017. Esta crônica é dedicada às pessoas que me ensinaram a ser mais concessivo, minhas verdadeiras mestras. São tantas que fica impossível declinar os nomes. Deixo a todas um beijo concessivo e o meu muito obrigado in perpetuum et unum diem.
Vale!
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E eu que nos anos 1990 em consultório de lacaniana levei um pito ( pito, palavra em quase desuso) por abusar do uso da conjunção ‘mas’. Porque era firmar pé nalguma coisa e já adicionava o ‘mas’.
Não sei se o ‘mas’ é tão pernicioso assim.
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Mas apesar desse passado de ‘mas’ e nem sempre de ‘embora’, aproveito-lhe para desejar feliz ano novo.
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Rose, de fato há pessoas que não conseguem dizer algo sem colocar um ‘mas’ em seguida. Eu não sei se é forma de atenuação verbal, de preservação da imagem. O fato é que colocando algo que comece por uma adversativa logo depois de uma afirmação acaba criando um certo escudo. Uma boa questão para se discutir num consultório lacaniano, mas pelo que você diz seu lacaniano não era muito dado a esse tipo de construção verbal, ou estratégia de preservação do dito.
Há um tipo de atividade boa pra você propor para seus alunos sobre o uso da conjunção mas. Levando em conta o que vem antes ou depois da conjunção, a orientação argumentativa muda completamente. Peça para eles explicarem a diferença entre:
Ele matou, mas foi em legítima defesa.
Foi em legítima defesa, mas ele matou.
Aproveito para desejar-lhe um ótimo ano novo, sem mas nem porém.
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Obrigada! Vou usar esta atividade nesta semana que precede a FUVEST. Vai me ajudar MUITO.
Agradeço pelo BOM ANO NOVO.
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Valeu!