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No artigo, comento, em breves palavras, uma categoria gramatical que se estuda na escola desde o Ensino Fundamental, o pronome pessoal. Detenho-me, particularmente, no pronome nós.
Pronomes pessoais, como se sabe, são aqueles que exprimem as pessoas do discurso pura e simplesmente. Designam o enunciador, a 1ª pessoa, quem fala, e o enuncitário, a 2ª pessoa, a quem se fala. Daí se pode concluir que os pronomes pessoais não têm como referente algo do mundo natural, mas a algo construído no e pelo discurso. Lembre-se: eu é aquele que diz eu. Esses pronomes são, portanto, dêiticos, assunto já tratado neste blogue (clique aqui).
O pronome ele refere-se à não pessoa. Designa aquilo ou aquele de que se fala. A gramática, no entanto, considera a 3ª como uma pessoa do discurso. Note que a 3ª pessoa é diferente da 1ª e da 2ª, pois apresenta flexão de gênero (ele / ela), o que não ocorre com a 1ª e a 2ª. Os pronomes pessoais de 3ª pessoa ele e ela fazem o plural como a maioria das palavras da língua, pelo acréscimo da desinência -s (eles / elas).
Os pronomes pessoais assumem outras formas quando empregados na função de complemento. As gramáticas fazem essa distinção classificando os pronomes pessoais como retos, quando empregados na função de sujeito, e oblíquos, quando na função de complemento.
Embora a gramática tradicional condene o uso de pronomes retos na função de complemento, é comum, mesmo em variantes prestigiadas, construções como Chamei ele e Convidei ela.
No português brasileiro, observa-se uma simplificação do quadro dos pronomes pessoais em relação ao que estabelece a gramática tradicional. Você já deve ter notado que a segunda pessoa do plural (vós) caiu em desuso e que o uso da forma tu da 2ª pessoa está restrita a algumas regiões do país. A forma mais usada hoje no Brasil em referência à 2ª pessoa do discurso é você.
Atenho-me agora ao emprego da forma de 1ª pessoa do plural (nós), destacando que a oposição eu vs. nós não deve ser entendida como uma oposição singular vs. plural, mas como oposição entre pessoa estrita (o eu) e pessoa amplificada (o nós). Veja que o fato de usarmos palavras diferentes (eu e nós) é suficiente para demonstrar que o pronome eu não admite a pluralização.
Observe a frase a seguir, extraída do livro O cérebro no mundo digital, de Maryanne Wolf, publicado pela Editora Contexto (2019):
“Você está no limiar de minhas palavras; juntos, estamos na passagem para mudanças galácticas que vão ocorrer em poucas gerações”.
O nós, implícito na forma verbal estamos, engloba enunciador (eu) e enunciatário (você, o leitor virtual). O adjetivo juntos não deixa a menor dúvida de que esse nós representa eu + você.
Observe: “…juntos, [eu e você], estamos na passagem para mudanças galácticas que vão ocorrer em poucas gerações”. Como nesse nós, o enunciador inclui o enunciatário, ele é chamado de nós inclusivo. Seu emprego cria um efeito de sentido de proximidade e cumplicidade do enunciador para com o enunciatário. Trata-se de um ótimo recurso que o enunciador usou para manipular o enunciatário, fazendo-o crer seu cúmplice. Além disso, o uso do nós inclusivo cria um efeito de sentido de reversibilidade do discurso, ou seja, reforça seu caráter dialógico.
Existe também o nós exclusivo. Nesse caso, há a presença do enunciador (eu), mas não do enunciatário (tu / você). O nós exclusivo resulta da junção do eu com a não-pessoa (ele, eles), criando um grupo de pessoas.
Numa frase como “Em julho, minha mulher e eu tiramos férias e nós tomamos a decisão de fazer uma viagem de carro por Minas Gerais. Como não conhecíamos ainda as cidades históricas, aproveitamos para visitar Ouro Preto, Mariana, Tiradentes”, o pronome de 1ª pessoa do plural (nós) designa uma pessoa amplificada que corresponde a junção do enunciador (eu) e ela (a mulher dele).
Em resumo: o nós inclusivo resulta da junção de eu + tu (você); o nós exclusivo decorre da junção da 1ª pessoa (eu) com a não pessoa (ele/ ela). No nós inclusivo, quem sobressai é o tu, ao passo que no nós exclusivo o que se sublinha é o eu.
Encerrando este artigo, chamo a atenção sobre um uso do nós comum em trabalhos acadêmicos. Nesse tipo de produção textual, não é de bom tom que a redação seja feita na 1ª pessoa do singular (eu), mesmo que o trabalho seja feito por uma única pessoa. O recomendado é que se use a 3ª pessoa, o que confere um sentido de impessoalidade e de subjetividade ao texto. Normalmente, é uma 3ª pessoa seguida do pronome se.
Outra forma muito comum em trabalhos acadêmicos é usar o nós no lugar do eu. E o chamado plural de autor. O uso do nós no lugar do eu se justifica porque o autor tem atrás de si a comunidade acadêmica em nome da qual fala como delegado.
Embora haja a opção de se usar as duas formas (verbo na 3ª pessoa + se e plural de autor), deve-se, no entanto, observar que escolhida uma delas deve-se mantê-la em toda a redação do trabalho. O que não se deve fazer é misturar as duas formas num mesmo trabalho.
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