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Pedro Nava escreve como ninguém. Entre tantas coisas que admiro em seu estilo está a quase obsessão em encontrar a palavra exata. Numa passagem de Balão Cativo em que ele narra as aventuras extra-conjugais do avô materno, afirma:
“O Major nessa época era uma esplêndida figura de macho. Peludo, magro, alto, desempenado, sempre de fraque escuro, bem calçado, meia cartola, escarolado, roupa branca esmaltada de goma, barba grisalha aberta ao meio, bigodarras de jaguar, mãos tratadas, olhos largos e sorridentes, muita papa – não admirava sua extração com as mulheres e a facilidade com que ele as culbutava e comia por quanto lugar onde passasse. Tinha principalmente a habilidade prodigiosa de inspirar confiança aos maridos e ficava logo íntimo, comensal, hóspede dos cornos”.
Pelo contexto, é possível construir o sentido de “culbutava”, mas como nunca tinha visto essa palavra antes, resolvi confirmar minha hipótese recorrendo ao dicionário. Fui ao Houaiss: nada; fui ao Aurélio: nada; Aulete (antigo): nada; Moraes: nada. Fui ver se o Volp registra: nada.
Onde Nava foi buscar o culbutar? Seria um termo pertencente ao vocabulário da medicina? Será que guarda alguma relação com cúbito?
Em latim, existe o verbo cubitare, cujo sentido é estar deitado e ‘ter trato carnal’ (Santos Saraiva).
Descobri em francês o verbo culbuter, cujo sentido é algo como derrubar algo ou alguém, pôr de cabeça pra baixo. Parece que em francês é usado também com sentido sexual (francófonos, me socorram).
Em outra passagem do mesmo livro, Nava relata suas buscas ao dicionário, quando criança, para descobrir o sentido de palavras chulas (na passagem ele conta o difícil caminho que percorreu para descobrir o sentido de puta).
Nava conta que a primeira vez que Nava ouviu a palavra puta foi em Juiz de Fora pela boca de um mecânico português, Seu Antônio, cujo vocabulário era recheado de palavrões. Não sabendo o que significava puta, perguntou ao portuga que lhe respondeu: “putas são mulheres que dão”.
O menino ficou sem entender. A resposta do portuga é relembrada saborosamente pelo memorialista:
“Dão o quê? Santo nome de Deus! Que dão elas? Esse dar intransitivado e assim reticente perturbou-nos [ele e o primo] profundamente”.
Sem saber o sentido da palavra, ao menino restou a opção de recorrer ao dicionário. No escritório do avô, pegou o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Eduardo de Faria.
Correu ao verbete puta, mas se decepcionou, porque lá achou apenas uma remissão para o verbete meretriz. Foi então para a letra M, não sem antes passar por verbetes como putanheiro, putaria, putear, puto. Chegando a meretriz, outra decepção. Lá encontrou:
MERETRIZ s. f. (Lat. meretrix, cis, de mers, cis, mercadoria, ou mercês, paga) prostituta, mulher que concede os seus favores obscenos por dinheiro; puta; mulher-dama.
Sem saber o que seriam favores obscenos, o menino se pôs a percorrer os quatro volumes do Dicionário. Indo de uma palavra a outra, navegando pelo Dicionário como fazemos hoje no Google, acabou chegado em cópula. Não adiantou. Pelo contrário, o menino ficou mais confuso ainda. Lá encontrou o seguinte ensinamento: na frase Deus é justo o verbo é se chama cópula.