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Os contos de Hemingway se caracterizam pela concisão. Sua escrita é econômica, enxuta. Muitos deles se enquadram num tipo de conto denominado dramático. Nesse tipo de conto, a presença do narrador é mínima, na medida em que há um apagamento da sua função. A matéria do conto é dada ao leitor por meio de diálogos entre os atores. As personagens são postas em cena, como numa representação teatral, e o leitor vai tomando conhecimento da história pelos diálogos que elas travam, como em “Os assassinos”, que comento a seguir.
“Os assassinos” (The Killers) aparece em português também com o nome “Os pistoleiros”, na tradução feita por J.J. Veiga, publicada pela Bertrand Brasil. “Os assassinos” teve três adaptações para o cinema. A primeira, de 1946, dirigida por Robert Siodmak, com Burt Lancaster e Ava Gardner. Outra, de 1964, dirigida por Don Siegel. No elenco, estão Lee Marvin, John Cassavetes, Angie Dickinson e Ronald Reagan. Em ambas, tenta-se explicar o motivo pelo qual os assassinos querem matar Ole Andreson, o sueco. São adaptações bastante livres. Há uma adaptação de 1956 fidelíssima ao conto, mantendo os diálogos do texto de Hemingway, feita pelo ainda jovem cineasta russo Andrei Tarkovski, em trabalho quando era estudante de cinema. É um curta de 21 minutos com apenas três cenas. A primeira e a terceira dirigidas por Tarkovski, que atua no filme fazendo o papel de um cliente que entra no restaurante de George. Nessa adaptação, o diálogo final do conto entre Nick e George é mantido.
O conto é um primor. Diálogos e clima tenso o tempo todo. Os assassinos Al e Max entram armados no restaurante de George, ameaçam, comem, amarram o cozinheiro, pedem que não sirvam mais ninguém, enfim, criam um clima de terror. Esperam por um sueco, Ole Andreson, para matá-lo. Como Ole não aparece no restaurante, os assassinos se retiram.
George, o dono do restaurante, percebe que tem uma oportunidade de salvar a vida de Ole e pede a Nick que corra até a casa de cômodos em que o sueco vive para avisá-lo de que dois sujeitos querem matá-lo e que ele deve fugir para não morrer. Mas Ole diz que sabe isso e que não vai sair dali.
Cortázar diz que o romance é uma luta em que se vence por pontos, mas no conto se vence por nocaute. Hemingway é especialista em terminar seus contos com um direto que lhe leva à lona e o juiz pode contar até 100 que você não levanta. Ao final do conto, ficamos paralisados tentando entender por que uma pessoa que sabe que vai morrer daí a instantes e tem o poder de escolher não morrer, se deixa matar.
De Ole Andresen, nada sabemos, exceto que era sueco e ex-pugilista, dos assassinos não sabemos por que queriam matá-lo. O conto nos coloca diante da situação da morte sem motivo e do livre arbítrio. Por último, chamo a atenção ao fato de que o conto, assim como tantos outros de Hemingway, estar mais próximo do gênero dramático do que do épico (narrativo) na medida em que há um apagamento da função narrador. A matéria do conto é dada ao leitor por meio de diálogos entre os atores.