Operadores argumentativos

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Por Ernani Terra©

No post de hoje, falo um pouco de gramática. Não se preocupem, não vou ditando regras nem falando o que é certo ou errado. Longe disso. Tratarei de um aspecto importante dos estudos gramaticais que, lamentavelmente, costuma ser deixado de lado nas aulas de língua portuguesa.

Os textos são marcados pela argumentatividade. Quem escreve é movido por uma fazer-crer, isto é quer que o leitor aceite seu texto. Escreve buscando a adesão do leitor. A argumentatividade é uma propriedade dos discursos em geral.

O professor pode trabalhar esse assunto quando tratar das categorias gramaticais invariáveis. Ao invés de pedir para os estudantes decorarem uma lista de conjunções e advérbios, deve explorar o papel argumentativo dessas palavras, assim estará desenvolvendo a competência dos estudantes de produzirem bons textos. Esse deve ser o objetivo de se ensinar gramática.

Os operadores argumentativos

O termo operadores argumentativos foi cunhado pelo linguista francês Oswald Ducrot para designar os morfemas da gramática de uma língua cuja função é indicar a força argumentativa dos enunciados. Introduzem variados tipos de argumentos que apontam para determinadas conclusões.

Do ponto de vista gramatical, as palavras que funcionam como operadores argumentativos são os conectivos (notadamente as conjunções), os advérbios e outras palavras que, dependendo do contexto, não se enquadram em nenhuma das dez categorias gramaticais (são classificadas como palavras denotativas: até, inclusive, também, afinal, então, é que, aliás, etc.).

Observe, por meio de exemplos, como funcionam esses operadores:

No Brasil, ainda há crianças fora da escola.

Nesse enunciado, o advérbio ainda orienta o interlocutor para inferir algo que está pressuposto: que antes do momento da enunciação já havia crianças fora da escola.

Embora muitos adolescentes que trabalham frequentem a escola, poucos conseguem concluir os oito anos de escolaridade básica.

Nesse, a conjunção embora introduz argumento que se contrapõe ao exposto na oração seguinte.

Tipos de operadores argumentativos

Os operadores argumentativos são utilizados para introduzir variados tipos de argumentos. Veja os mais comuns:

  •  operadores que introduzem argumentos que se somam a outro tendo em vista uma mesma conclusão: e, nem, também, não sómas também, não sómas ainda, além disso, etc.

Os efeitos danosos do trabalho infantil sobre a escolarização são sentidos não só nas crianças menores mas também nos adolescentes.

  •  operadores que introduzem enunciados que exprimem conclusão em relação ao que foi expresso anteriormente: logo, portanto, então, em decorrência, consequentemente, etc.

O trabalho infantil prejudica o desenvolvimento físico, emocional e intelectual da criança, portanto deve ser combatido. 


  •  operadores que introduzem argumento que se contrapõe a outro visando a uma conclusão contrária: mas, porém, todavia, embora, ainda que, mesmo que, apesar de, etc.

Muitas pessoas são contra a exploração de crianças e adolescentes, mas poucas fazem alguma coisa para evitar que isso aconteça. 


Esses operadores são geralmente representados pelas conjunções adversativas e concessivas. A opção por determinado tipo de conjunção tem implicações na estratégia argumentativa.

Por meio das adversativas (mas, porém, todavia, contudo, etc.), introduz-se um argumento que leva o interlocutor a uma conclusão contrária a que chegaria se prevalecesse o argumento usado no enunciado anterior. Com as concessivas (embora, se bem que, ainda que, etc.), o locutor dá a conhecer previamente o argumento que será invalidado.

Milhões de crianças e adolescentes trabalham no Brasil, mas isso é proibido pela Constituição.

Embora a Constituição proíba, milhões de crianças e adolescentes trabalham no Brasil.

  •  operadores que introduzem argumentos alternativos: ou, ou… ou, quer… quer, seja… seja, etc.

Ou sensibilizamos a sociedade sobre os efeitos danosos do trabalho infantil, ou o problema persistirá. 


  •  operadores que estabelecem relações de comparação: mais que, menos que, tão… quanto, tão… como, etc.

O problema do trabalho infantil é tão grave quanto o do desemprego. 


  •  operadores que estabelecem relação de justificativa, explicação em relação a enunciado anterior: 
pois, porque, que, etc.

Devemos tomar uma decisão urgente, pois o problema tende a se agravar. 


  •  operadores cuja função é introduzir enunciados pressupostos: agora, ainda, , até, etc.

Até o papa manifestou sua indignação. 


Nesse enunciado, pressupõe-se que outras pessoas, além do papa, tenham manifestado indignação. Compare a força argumentativa do enunciado contrapondo-o a outros:

O padre manifestou sua indignação.


O bispo manifestou sua indignação.

Até o papa manifestou sua indignação. 


Nesse caso, temos uma escala argumentativa ascendente (orientada do argumento mais fraco para o mais forte: o papa). Numa escala argumentativa negativa, os termos estariam em ordem descendente e o argumento mais forte viria introduzido por nem mesmo.

O acontecimento não teve nenhuma repercussão: o papa não se manifestou, o bispo também não, nem mesmo o padre da paróquia fez qualquer referência ao assunto.

A função de introduzir o argumento mais forte de uma escala argumentativa também pode ser exercida pelos operadores inclusive, até mesmo, ao menos, no mínimo, etc.

  •  operadores cuja função é introduzir enunciados que visem a ratificar, esclarecer um enunciado anterior: isto é, em outras palavras, vale dizer, ou seja, etc.

Duas de cada 10 crianças trabalhadoras, ou seja, 20%, não frequentam a escola. 


  •  operadores cuja função é orientar a conclusão para uma afirmação ou negação: quase, apenas, , somente, etc.

Dentre os adolescentes que trabalham, poucos conseguiram concluir os oito anos de escolaridade básica: apenas 25,5%.


O número de crianças e adolescentes que trabalham é muito grande: quase quatro milhões. 


O operador argumentativo quase aponta para a afirmação da totalidade e, geralmente, encadeia-se com muitos e a maioria. 
Apenas (e seus equivalentes e somente) aponta para a negação da totalidade e, geralmente, encadeia-se com poucos e a minoria. 


 

7 Comentários


  1. Acredito que os professores deixam de lado esse conteúdo porque ele é complexo para 8° e 9° anos, turmas para as quais ele é previsto nos referenciais. Muitos alunos chegam com defasagem enorme e interpretação precária, pois vivem sendo “empurrados” para combater o índice de reprovação. É inviável seguir com determinados assuntos se os alunos não sabem a base.

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  2. Acredito que os professores deixam de lado esse conteúdo porque ele é complexo para 8° e 9° anos, turmas para as quais ele é previsto nos referenciais. Muitos alunos chegam com defasagem enorme e interpretação precária, pois vivem sendo “empurrados” para combater o índice de reprovação. É inviável seguir com determinados assuntos se os alunos não sabem a base.

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  3. Parabéns, há tempos vejo esse nome “Ernani Terra” em ótimas edições mesmo os de um tempo em que a normativa era mais exigida que compreensão . Fico feliz de vê-lo atuante.

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