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Costuma-se conceituar texto como um todo de sentido que estabelece comunicação entre sujeitos. Os textos apresentam dois planos: um conteúdo e uma expressão que manifesta o conteúdo. A expressão é uma linguagem qualquer que pode ter por sinais palavras, cores, gestos, desenhos etc., podendo haver mistura de linguagens como nas novelas gráficas e filmes. A separação entre expressão e conteúdo é meramente didática; na prática, esses planos do texto não se separam, são como o verso e o anverso de uma folha de papel.
Nos textos verbais, aqueles que têm por sinais as palavras, o plano da expressão pode ser tanto a língua falada quanto a língua escrita. Com base nisso, dizemos que há dois tipos de texto: o escrito e o falado. Um exemplo bastante comum desse último é a conversação. Mais do que um tipo de texto que faz parte da vida cotidiana, ela é uma prática social que favorece a interação e a troca de experiências.
A conversação é um tipo de texto que se presta a práticas discursivas as mais heterogêneas. Em outras palavras, serve a diversos propósitos comunicativos e estabelece diversas formas de interação entre os parceiros. Numa consulta médica, por exemplo, há uma certa assimetria entre os interlocutores, marcada pela relação médico / paciente. A conversação se estrutura em trocas verbais do tipo pergunta / resposta delimitadas aos objetivos da consulta. Trata-se de uma conversação pouco espontânea e marcada por um estilo mais formal que se pode observar no tratamento empregado: doutor, o senhor, a senhora.
Outro tipo de conversação é aquela em que um dos interlocutores visa a persuadir o outro a fazer algo, como nas trocas verbais entre vendedor e comprador. O primeiro quer que o segundo adquira algo e, para isso, manipula-o por meio de estratégias argumentativas que visam seduzi-lo das vantagens da compra.
Há ainda a conversação informal, sem propósitos comunicativos definidos, como ocorre no bate-papo espontâneo e descontraído sobre assuntos do cotidiano entre colegas e familiares. Como esse tipo de conversação é marcado pela informalidade, ele apresenta baixo grau de monitoramento e planejamento. Dois ou mais interlocutores que se alternam constantemente interagem, falando sobre assuntos da vida cotidiana. Não importa qual seja o tipo de conversação, o fato é que ela será sempre resultado da cooperação dos participantes, ou seja, o texto conversacional sempre resulta da ação coordenada de mais de um sujeito.
Cada vez que alguém toma a palavra constitui um eu e inaugura um turno de fala. A troca de turno é essencial para que haja conversação. Se um dos locutores monopolizar a palavra, temos monólogo e não conversação. Os turnos de fala têm extensão variável: um dos locutores pode apresentar uma fala extensa que ocupa alguns minutos e o outro, ao tomar a palavra, dizer um simples vocábulo como sim, concordo, claro, como resposta.
Para que haja conversação, é essencial que a interação esteja centrada num tema, que pode e costuma ser alterado durante a conversação. Quando não há centralização num tópico, não há conversação; mas, como se diz popularmente, uma conversa sem pé nem cabeça ou uma conversa de doidos. Não é necessário que a interação seja face a face. Uma conversa telefônica ou um bate-papo pela internet também são formas de conversação. É necessário ainda que os interlocutores partilhem conhecimentos comuns e que haja cooperação entre eles, ou seja, é preciso que ambos ajam no sentido de que a conversação prossiga. Aqui, se aplica o ditado: quando um não quer, dois não brigam.
Uma das regras básicas do texto conversacional é: cada um fala na sua vez, ou seja, deve-se respeitar o turno daquele que está com a palavra e esperar que ele termine sua fala para que outro locutor tome a palavra, inaugurando um novo turno e assim sucessivamente. A regra é: não deve haver superposição de vozes, pois o que caracteriza a conversação é o diálogo, isto é, a alternância eu / tu.
Na prática, nem sempre as pessoas obedecem a essa regra, pois há “assaltos ou roubadas de turno”. Isso se dá quando um dos falantes assume a fala sem que o outro tenha terminado a sua. Nesse caso, um eu se superpõe a um outro eu, e isso é considerado uma infração conversacional, pois fere as convenções do gênero. Não são raras as entrevistas em que o entrevistador “rouba” o turno de fala do entrevistado não permitindo que este conclua o que estava falando.
Por não ser planejada, a conversação apresenta truncamentos, hesitações, interrupções, repetições, reformulações, que passam a fazer parte do texto. Isso significa que, do ponto de vista da organização da frase, há diferenças na estrutura sintática das orações de um texto conversacional e de um texto escrito. Nem sempre, na conversação a frase apresenta a estrutura padrão – sujeito, verbo, complemento -, estruturando-se muito mais por princípios comunicativos do que sintáticos.
No texto escrito, as reformulações feitas pelo autor não aparecem, pois ele as apaga, antes de publicá-lo. Com os processadores de textos então, a menos que o autor salve as diversas versões do texto, fica impossível descobrir o que foi alterado. Ao ver um texto escrito publicado, saiba que ele não saiu da cabeça do autor daquele jeito; pelo contrário, o que está publicado é fruto de várias revisões e reformulações feitas pelo próprio autor ou por profissionais que têm a função de revisar e preparar textos para que sejam publicados. Quando lemos um texto escrito, lemos a versão final que o autor deu a ele.
Na conversação também há correções e reformulações; mas, ao contrário do texto escrito, elas não são apagadas e passam a fazer parte do próprio texto. São exemplos de expressões usadas para fazer correções: desculpe, me enganei, minto, corrigindo etc. Na conversação, estão presentes também palavras e expressões que não integram o conteúdo do texto e que são usadas para marcar a interação. São os chamados marcadores conversacionais, como: né?, tá bom?, certo?, entende?, então, aí, olha, sabe, viu, quer dizer, daí, não é? etc., que não devem aparecer no texto escrito, a menos em casos que se pretenda reproduzir a fala de alguém exatamente da forma como ela foi dita (discurso direto).
A conversação é um texto e, como qualquer texto, deve manter a coerência; por isso, quando se vai mudar o tópico discursivo (aquilo sobre o que se está falando), costuma-se sinalizar a mudança por meio de marcadores conversacionais, como mudando de assunto, mudando de pato pra ganso, entre outros. Há também marcadores conversacionais usados para resumir (e muitas vezes encerrar) um tópico discursivo, como em suma, resumindo, por fim etc.
No texto conversacional, ocorrem ainda palavras e expressões que têm por fim verificar se a comunicação está se processando normalmente, como tá escutando?, tá entendendo? e interferências do ouvinte pedindo esclarecimentos, como repete isso, explique melhor, não entendi, como assim?. Há também pausas para reorganizar a fala e hesitações que a interrompem, expressas por sons como hã, ih, eh etc. O ouvinte pode também manifestar concordância ou dúvida por meio de alguns sons (hãhã), interjeições (heim?), gestos e expressões faciais.
Este meu artigo foi originalmente publicado na Revista Meer em 2 de novembro de 2024.