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Por Ernani Terra ©
Neste post, continuo na tecla do último, em que comentei o conto Viagem aos seios de Duília, autor nacional, personagem feminina, solidão, com um ingrediente adicional: o amor. Mas adianto: não esperem um conto de amor suave e com final feliz. Quando sugerir um conto de fadas, lembrarei disso.
Mas agora quero falar do amor como busca, como desejo que nos move a um encontro, como a necessidade da alteridade, do completar-se no outro, porque amor é um saber que implica a consciência de que uma parte de mim deixou de me pertencer, e saber perdoar essa parte de mim que não é mais minha. Mas, como sabemos, porque vivemos isso, a impossibilidade de reconhecer-se no outro, de achar nele a nossa identificação, de reconhecer no outro essa parte de mim que não mais me pertence nem sempre é concretizada.
Essa temática me faz ir a um autor gaúcho, que precocemente nos deixou quando tinha 48 anos de idade. Falo de Caio Fernando Abreu. Quando optei por escolher de um conto de amor, tinha uma coisa em mente: queria ouvir a voz de uma mulher. Escolhi, então, o conto O coração de Alzira, do livro Inventário do ir-remediável.
Trata-se de um conto curto em que a voz de um narrador-observador se mescla à voz da personagem feminina, Alzira. O outro personagem é o marido, cujo nome só é mencionado no conto uma única vez, Jorge. A ação se passa num domingo, na casa do casal. De repente, Alzira descobre que ela e o marido são pessoas diferentes em tudo. Do marido praticamente não ouvimos a voz, ele é o vazio. Não age, apenas dorme. Em determinados momentos, Alzira o encontra na cama deitado em posição fetal. É um desses Oblomov da vida. Alzira quer a identidade, buscar a parte dela que ficou no marido, nem que tenha de se tornar obscena ao a ele, mas o máximo que consegue é abrir,
constrangida, a cortina do banheiro para entregar o sabonete ao marido nu. Sente a necessidade de ser pequena, vil e mesquinha, quer doer em alguém. Alzira se reconhece como uma pessoa em desordem interna e externa e o marido não a reconhece como ser desejante. Embora tenha sempre a presença física do marido, Alzira é marcada pela solidão que, para ela, é disfórica. É essa a situação do conto, em que nada acontece, apenas o desejo de Alzira na busca da alteridade, como forma de preencher o vazio da solidão. É domingo e Alzira chama o marido pela manhã, mas esse não responde, sequer abre os olhos e continua o seu sono. O oblomoviano marido continua dormindo, Alzira o chama novamente. O que quer agora é muito pouco: quer apenas ouvir o seu nome dito pela boca do marido, com as sílabas bem escandidas: AL-ZI-RA. É domingo, pode-se dormir até mais tarde, Alzira o chama e as únicas palavras dele que ouvimos no conto é a resposta dada a Alzira: “Pois é!”. E volta a dormir.