O conto dramático

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Na expressão conto dramático, conto deve ser entendido sob a perspectiva bakhtiniana, isto é, como um gênero do discurso, um tipo relativamente estável de enunciado. Costuma-se definir o conto por oposição ao romance. Enquanto o romance é uma narrativa mais longa, o que caracteriza o conto é o fato de ser uma narrativa curta, condensada, centrada num único evento, com poucas personagens e abdicando de análises e descrições minuciosas. Por ter extensão limitada, o conto procura capturar um instantâneo. Cortázar compara o romance a um filme e o conto a uma fotografia.

O adjetivo dramático deve ser entendido na perspectiva aristotélica, ou seja, como um dos modos de representação. Na Poética, uma obra que chegou incompleta até nós, Aristóteles fala do modo de representação épico, aquele em que há um narrador, e do modo dramático, aquele em que há personagens em cena representando as ações humanas.

Aristóteles trata dos gêneros da época dele, a epopeia, a tragédia e a comédia. Na epopeia e na tragédia, o objeto da representação são ações de personagens melhores que o homem comum; na comédia representam-se ações de personagens piores que o homem comum. Se o objeto da representação da epopeia e da tragédia é o mesmo, o que difere uma da outra? A resposta é: o modo de representar as ações.

Na epopeia, diferentemente do que ocorre na tragédia e na comédia, as ações humanas não são representadas por atores, mas narradas, ou seja, as ações do herói épico são contadas por alguém, enquanto as do herói trágico e as do herói cômico são representadas em um palco por atores.

No modo narrativo, a atenção do leitor se volta para o narrador por meio do qual toma conhecimento da história; no modo dramático, o leitor se volta para a história e a observa. A distinção entre narrar e mostrar tem a ver com a intervenção ou não do narrador, aquela figura que está entre o autor e o leitor, que, no modo dramático, tem sua função minimizada. Dessa forma, quanto mais o narrador intervém, mais ele conta e menos ele mostra. Lembrando que, quando falamos de autor, estamos nos referindo não ao ser ontológico, a pessoa de carne e osso, mas ao chamado autor implícito, que é uma imagem do autor real criada no e pelo discurso. É esse autor implícito que instala um narrador.

Como se afirmou, Aristóteles distingue o modo dramático, aquele em que há representação por meio de atores, do narrativo, aquele em que um narrador conta algo. Se optarmos por usar uma terminologia mais moderna, no conto dramático o modo de representação é o mostrar (showing) e não o narrar (telling). Nele, a presença do narrador é mínima, limitando-se a colocar as personagens em cena, dar voz a elas, que conduzem sozinhas a narrativa como se estivessem em cena em um teatro representando seus papéis diante de um público. Assim, quem ocupa o primeiro plano não é o narrador, mas as personagens. Exemplos de contos dramáticos podem ser observados em Ernest Hemingway em contos como Cinquenta milHoje é sexta-feira e Os assassinos, em que o papel do narrador é mínimo.

Na literatura brasileira, também podemos encontrar exemplos de contos dramáticos em Artur Azevedo. Os leitores devem se lembrar do antológico conto O plebiscito, que durante anos esteve presente em livros escolares. Nele, há um narrador que basicamente tem a função de situar a cena e indicar quem fala nos diálogos.

Um exemplo bastante radical de conto dramático é Confissão, de Luiz Vilela. Nele, temos o que se pode chamar um narrador virtual, aquele que tem a função de destinar seu discurso ao leitor, mas sem que tenha uma voz que manifesta esse discurso, ou seja, um tem-se um narrador silencioso, pois apenas os personagens falam. O conto inteiro reproduz um diálogo entre um padre, que é o confessor, e um garoto, que confessa ao padre ter pecado por ver a vizinha sem roupa. O silêncio do narrador acarreta que sentidos ficam subentendidos nas falas das personagens. Cabe ao leitor deduzir esses sentidos subentendidos.

Em conclusão, o que caracteriza o conto dramático é que a relação entre autor implícito e leitor é direta, sem a intermediação ou com a intermediação mínima de um narrador. Nesse caso, o episódio não é contado, mas mostrado ao leitor, acentuado os efeitos de sentido de verdade da história. O modo dramático de representação funciona bem em contos. Em gêneros de extensão maior, como o romance, ele pode aparecer em determinadas cenas, mas o modo narrativo predominará sempre.


Esse artigo foi publicado também na revista Meer em 2 de março de 2025. Nessa revista, podem ser encontrados outros artigos de Ernani Terra. O acesso à revista Meer é livre e gratuito.

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