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Há algum tempo fiz um comentário nas redes sociais sobre o livro Mutações da Literatura no século XXI, de Leyla Perrone-Moisés (Companhia das Letras, 2016). Como o assunto é relevante e se adequada à proposta deste blogue, volto ao tema.
Leyla Perrone-Moises é professora emérita da USP e no exterior, lecionou na Universidade de Montreal, na Yale University, na Sorbonne e na École Pratique des Hautes Études.
Como deixa claro o título, a preocupação de Perrone-Moisés são as produções literárias contemporâneas, que ela comenta com propriedade sem perder de vista a herança legada. Sobre a herança, vai buscar em Derrida a fundamentação teórica e mostrar as sementes da literatura da pós-modernidade: “Somos apenas o que herdamos” (Derrida). Assim o subgênero autoficção já estava presente nos Ensaios, de Montaigne, por exemplo. O autor como personagem está em Dante. A preocupação com o herdado pode dar a impressão de uma visão conservadora. Nada disso. Leyla louva a boa literatura, seja ela clássica ou da modernidade tardia.
Perrone-Moysés é uma autora com um repertório de leitura imenso e que transita inclusive por blogs e sites de literatura. Ao contrário de algumas críticas que circularam, o livro não tem uma postura elitista. Pedir que os nossos estudantes leiam boa literatura é elitismo? Pedir que no Ensino Médio se dê mais a tempo aos estudos literários é elitismo?
Na segunda parte do livro, Perrone-Moisés entra a fundo nas produções contemporâneas discutindo subgêneros, autores e obras. Trata, entre outros temas, da metaficção, de autores que são personagens de ficção, da volta e boa aceitação dos romances com muitas páginas, da autoficção e da ficção distópica.
Sobre a autoficção, muito oportuno seu comentário sobre a obra de Karl Ove Knausgård, em que mostra com clareza como o autor se vale do processo de iconização para obter os efeitos de sentido de realidade. Excelente o capítulo que trata dos espectros da modernidade literária (a recepção do espectro é sempre dupla: o receptor o acolhe e o expulsa, segundo Derrida). Fernando Pessoa, Rimbaud e Dostoiévski estão entre os espectros que surgem na contemporaneidade. Fernando Pessoa em Saramago e Tabucchi; Rimbaud, em Le Clezio; Dostoievski, em Coetzee. Mas o espectro não é também herança, ou ele não aparece em Hamlet?
De autores brasileiros contemporâneos, Perrone-Moisés comenta obras de Ricardo Lísias, Nuno Ramos, Julián Fuks, Alberto Martins, André Queiroz, Carlos de Brito e Melo, Evandro Nascimento, Bernardo Carvalho.
Teria muito mais a dizer, mas o espaço não comporta. Leiam o livro sem preconceitos. Conheçam a obra de Perrone-Moisés. Se não concordam com o pensamento dela, exponham suas razões, mas não venham com argumentos “ad hominem”. E se as ideias dela, como alguns andaram dizendo, são lama, quero chafurdar na lama.