Metonímias 2

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No post anterior, chamei a atenção para o fato de que algumas pessoas ficam na leitura literal de um texto e, por isso, não conseguem recuperar o sentido pretendido pelo autor e apresentei exemplos em que ideias não são transmitidas pelos termos próprios que as nomeiam, mas por palavras que são usadas no lugar deles por uma relação metonímica. Neste artigo, volto a falar da metonímia, enfatizando que ela não é exclusiva da linguagem verbal, manifestando-se em textos cujo expressão é dada por outras linguagens.

Nos filmes de suspense, é comum aparecer a sombra de uma pessoa. Não sabemos quem é, mas cria-se um efeito de sentido de suspense. Ficamos imaginando que um assassino está se aproximando para matar alguém. O que se fez? Em lugar de se colocar o assassino, projetou-se a sombra que a presença dele provoca. Trata-se de um procedimento metonímico que produz os efeitos de sentido que mencionamos. Ficaremos boa parte do filme em suspenso querendo descobrir de quem era a sombra e, portanto, quem é o assassino.

O cinema usa e abusa da metonímia. Quando alguém assiste a cena que mencionei não fará evidentemente uma leitura literal dela, ou seja, não vai achar que foi a sombra que matou a personagem, mas que o assassino é a pessoa cuja sombra foi projetada.

Texto

Os textos resultam da superposição de dois planos que se pressupõem: um conteúdo, de ordem cognitiva, e uma expressão, de ordem sensorial, que o manifesta. Palavras também têm uma expressão (fonemas ou letras, na representação escrita) e um conteúdo. O sentido delas se dá pela superposição desses dois planos que se pressupõem.

A ideia de um animal equino (um conteúdo) é manifestada por uma expressão: a sequência sonora /k-a-v-a-l-u/ na língua falada, ou pela sequência de letras c-a-v-a-l-o, na língua escrita. É isso que se denomina signo verbal. Verbal porque o plano da expressão é uma língua natural (português, espanhol, inglês etc.). Evidentemente, há signos cujo plano da expressão não é uma língua natural.

Na nossa comunicação cotidiana, estamos em contato o tempo todo com signos cujo plano da expressão não são palavras, mas imagens várias. Um conteúdo como avisar alguém que num determinado lugar não se pode fumar poderia ser manifestado por planos da expressão diferentes: 1. alguém poderia avisar a cada um que entrasse no lugar de que é proibido fumar; 2. alguém poderia colocar no local uma placa bem visível em que se lê PROIBIDO FUMAR; 3. alguém poderia colocar no local a imagem abaixo.

Proibido fumar
Figura 1

Nos exemplos 1 e 2, temos textos verbais, porque o plano da expressão é dado por linguagem verbal, no caso, a língua portuguesa. No exemplo 1, o plano da expressão é dado pela língua falada, temos, portanto, um texto falado; no 2, pela língua escrita, um texto escrito, portanto. No exemplo 3, temos um texto não verbal, porque o plano da expressão não é uma língua natural.

Nos três exemplos, usei a palavra “alguém” para deixar claro que os textos resultam da ação do homem para estabelecer comunicação. São produtos da cultura, portanto. Quando vemos uma nuvem escura, ela está nos comunicando a ideia de chuva, mas nesse caso não houve ação do homem. Trata-se de um signo natural, que chamamos de índice. Veja que nele não houve a ação do homem.

Metonímia nos textos não verbais

Nesse post, como afirmei, pretendo chamar a atenção do processo metonímico em textos não verbais, particularmente nos ícones. Embora você esteja bastante familiarizado com ícones (eles aparecem em todos os lugares), não custa dar uma definição a esse tipo signo usado na comunicação.

Ícones

A palavra ícone provem do grego: eikón, “imagem”. Nos ícones, que são uma espécie de signo criado pelos homens com a finalidade de estabelecer comunicação, ocorre uma relação necessária entre a imagem e o conceito que ela representa, razão pela qual têm sido largamente utilizados como uma espécie de linguagem universal.

No signos verbais, a relação entre o plano da expressão, chamado significante, e o plano do conteúdo, chamado significado, não é motivada, ou seja, não há nada no significado cavalo (animal equino) que leve a ser expresso pelo significante /k-a-v-a-l-u/ ou c-a-v-a-l-o. Isso quer dizer que no signo linguístico a relação entre significado (conteúdo) e significante (expressão) é imotivada, isto é, trata-se de uma mera convenção. A prova disso é que o mesmo significado é expresso por significantes diferentes nas diversas línguas: cavalo (português), cheval (francês), horse (inglês), pferd (alemão), ceffyl (galês).

Nos ícones, há uma relação de semelhança do signo com a realidade do mundo exterior, como nos exemplos a seguir:

Como se pode notar, no desenho há quatro ícones cujas imagens, da esquerda para a direita, remetem aos seguintes conteúdos: deficientes físicos (cadeirantes), idosos, gestantes e pessoas acompanhadas com crianças de colo. Normalmente, esse tipo de texto é colocado em lugares públicos para comunicar que essas pessoas têm atendimento prioritário.

Levando em conta que, para que haja processo de comunicação, há de haver pelo menos duas pessoas – um destinador e um destinatário -, fica claro que, no caso da nuvem escura, não há comunicação em sentido estrito, por faltar o destinador. Falta à nuvem escura a intenção de estabelecer comunicação. Já na placa com o cigarro cortado ao meio (Figura 1) ocorre comunicação, há um destinador (quem colocou, ou mandou colocar a placa) e o destinatário (a pessoa que decodifica aquele signo).

Quando vemos nos tribunais, uma balança, prontamente a associamos à noção de justiça, de igualdade; quando vemos, numa igreja, uma cruz, a associamos ao Cristianismo. Dizemos que, nesses casos, “balança” e “cruz” são símbolos, pois são objetos materiais (não linguísticos) que representam ideias abstratas.

Mas o assunto do post é a metonímia. Veja que as imagem da balança no tribunal e a da cruz na igreja não exprimem adequadamente aquilo que simbolizam, pois temos uma representação parcial da coisa, uma vez que o que se apresenta é uma parte do todo, o conteúdo abstrato, equidade, no caso da balança, e Cristianismo, no caso da cruz.

O conceito de justiça é muito mais amplo do que a balança, que representa apenas um de seus atributos: a equidade. Isso significa que, ao usarmos a balança para exprimir a justiça (uma parte pelo todo) temos uma metonímia. Ao usar a cruz para exprimir o Cristianismo, empregou-se o concreto (a cruz) pelo abstrato (Cristianismo). Em ambos os casos, estamos nos valendo de metonímias.

Vamos agora pensar na figura 1. Lembra o chato de galochas do post anterior? Provavelmente ele gostaria de abusar de nossa paciência e, acendendo um charuto, diria que a placa não diz que é proibido fumar charutos, porque lá há um CIGARRO cortado ao meio, ou seja, o que a placa diz é É PROIBIDO FUMAR CIGARROS, portanto não há qualquer proibição em se fumar charutos, cachimbos, cigarrilhas, narguiles e, até mesmo, aquele baseado de cannabbis sativa.

Evidentemente, a imagem não deve ser lida literalmente como gosta de fazer o nosso chato de galochas, pois esse texto não verbal apresenta linguagem figurada, na medida em que se usou o particular no lugar do geral. Se estamos usando o particular (o cigarro) pelo geral (utensílios usados para inspirar e expirar fumaça) temos uma metonímia, pois se usou uma imagem para simbolizar outra(s), baseado (sem trocadilho) numa relação de contiguidade. No caso, empregou-se o hipônimo (cigarro) no lugar do hiperônimo (utensílios usados para fumar). Para saber a distinção entre hipônimo e hiperônimo, vá ao post em que comento isso, clicando aqui.

Para finalizar, respondo à seguinte pergunta: Por que quem produziu a imagem optou por usar o cigarro e não um cachimbo, por exemplo?

Simplesmente porque entre os diversos objetos usados para fumar (cachimbo, charuto, narguile etc.), o cigarro e o mais comum.

Alguém poderia me perguntar: Qual a diferença entre metonímia e sinédoque? Caso queira saber a resposta, clique aqui.


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