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Como é de conhecimento de todos, há diferenças entre o português brasileiro e o europeu. Quando ouvimos um lusitano falando o português, percebemos imediatamente a diferença entre as variedades. Mas as diferenças não se restrigem ao componente fonológico, elas podem ser observadas também na sintaxe, ou seja, na forma como as frases são construídas. Aqui dizemos Estou trabalhando, lá dizem Estou a trabalhar. Aqui temos a tendência a usar os pronomes oblíquos átonos antes do verbo ( Ela me disse; me convidaram). Em Portugal, a tendência é de se colocar esses pronomes após a forma verbal (Ela disse-me; convidaram-me). Há também diferenças morfológicas, que podem ser observadas no uso de sufixos. Dizemos pardalzinho, eles preferem a forma pardalzito.
No entanto, a maior diferença reside no léxico. Um mesmo referente é designado por palavras diferentes nas duas variedades. Algumas dessas diferenças costumam até a provocar risos. Na lista abaixo, apresento algumas diferenças lexicais entre as duas variedades.
VARIEDADE BRASILEIRA | VARIEDADE EUROPEIA |
abridor | tira-cápsulas |
açougue | talho |
aeromoça | hospedeira de bordo |
Aids | Sida |
apostila | sebenta |
arquivo (de computador) | ficheiro |
banheiro | casa de banho |
café da manhã | pequeno almoço |
calcinha | cueca |
câncer | cancro |
cardápio | ementa |
celular (telefone) | telemóvel |
conversível | descapotável |
criança | miúdo |
descarga (de banheiro) | autoclismo |
elevador | ascensor |
esparadrapo | penso rápido |
estacionar | aparcar |
fila | bicha |
freio (do carro) | travão |
gari | almeida |
geladeira | frigorífico |
gol contra | autogolo |
goma de mascar | pastilhas elásticas |
grampeador | agrafador |
impedimento (no futebol) | fora de jogo |
levar ao fogo | levar ao lume |
lugar | sítio |
maravilhoso | bestial |
meias | peúgas |
multa | coima |
ônibus | autocarro |
pedestre | peão |
ponto (de ônibus) | paragem |
presunto | fiambre |
privada, vaso sanitário | retrete |
salva-vidas | banheiro |
secretária eletrônica | atendedor automático |
sorvete | gelado |
tela | ecrã |
terno | fato |
trem | comboio |
usuário | utente |
vestiário | balneário |
xícara | chávena |
Sobre as diferenças entre as duas variedades, José Paulo Paes escreveu um poema genial, que reproduzo a seguir.
Lisboa: aventuras
“tomei um expresso cheguei de foguete
subi num bonde desci de um elétrico
pedi um cafezinho serviram-me uma bica
quis comprar meias só vendiam peúgas
fui dar à descarga disparei um autoclismo
gritei: ‘ó cara!’ responderam-me ‘ó, pá!’
positivamente
as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”
(PAES, José Paulo. A poesia está morta mas juro que não fui eu.)
Retomo às diferenças entre as duas variedades porque recebi de meu amigo Francisco Lellis uma notícia que dizia que, no concelho (o equivalente a município no Brasil) de Leiria, Portugal, instituiu-se multa que pode chegar a mil euros a quem atirar beatas ao chão.
Calma!!! Antes que imaginem que em Portugal estão tentando conter uma série de ataques a religiosas, esclareço que as referidas beatas não têm nada de santas. Beata não está aí no sentido de “aquela que foi beatificada pela igreja”, ou de “muito devota”, “carola”. A beata a que a notícia se refere é aquilo que, no Brasil, chamamos de “bituca”, “guimba”, “bagana”, ou seja, aquilo que sobrou do cigarro depois de fumado.
A essa altura alguns leitores já lembraram que aqui a palavra beata também é usada nesse sentido. Só que a nossa beata não é a bituca de um cigarro qualquer, mas a pontinha, já quase infumável, de um baseado. Depois que o baseado vai rodando e, consumido pelo fogo, vai ficando tão pequeno que mal se consegue segurar com a mão para dar a derradeira tragada, que, segundo os especialistas, é a que dá o barato maior.
A beata está para o baseado assim como a bituca (ou guimba) está para o cigarro de tabaco e outras tantas mil substâncias cancerígenas. Ao felizardo pela última tragada, aquele que lhe passou o pouquíssimo que sobrou do baseado diz, ainda segurando nos pulmões a fumaça inalada: “Pode matar a beata”.
Portanto, se você ouvir alguém dizendo que matou a beata, não se preocupe, pois não ele não lhe estará confessando um homicídio (ou seria um beaticídio
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