Lúcio Cardoso e William Faulkner

Tempo de leitura: 3 minutos

Quem lê Crônica da casa assassinada, romance de Lúcio Cardoso (1912 – 1968), cuja primeira edição é de 1959, e lê Enquanto Agonizo (As I Lay Dying), romance de William Faulkner (1897 – 1962), publicado pela primeira vez em 1930, perceberá semelhanças entre eles. Neste artigo, comento algumas delas.

A Crônica tem 56 capítulos; Enquanto agonizo, 59. Os capítulos da obra de Faulkner, no entanto são bem menores, que os da Crônica, o que resulta que, no todo, Enquanto agonizo é um romance de menor extensão que a Crônica. Um e outro adotam um tipo de narração que poderíamos chamar de calidoscópica, isto é, a narração é feita pode diversos narradores, que são também personagens da história, o que revela múltiplos pontos de vista sobre um mesmo fato. Na Crônica, são 10 narradores; em Enquanto agonizo, temos 15 narradores. Tanto num caso quanto noutro, os narradores pertencem a dois grupos: membros da família e pessoas amigas da família ou pertencentes à sociedade onde se desenrolam os fatos. Em Enquanto agonizo, os narradores pertencentes à família, os Bundrem, são os filhos Darl (19 capítulos), o caçula Vanderman (10 capítulos), o filho mais velho, Cash (5 capítulos), Dewey Dell (4 capítulos), Jewel (1 capítulo), o patriarca, Anse Bundrem (3 capítulos). A voz da morta, Addie Bundrem, esposa de Anse e mãe de Cash, Darl, Dewy Dell, Vanderman e Jewel se faz ouvir num único capítulo. Na Crônica, os narradores do núcleo familiar dos Meneses são Nina, Valdo, (marido de Nina), André, amante de Nina, Timóteo e Ana, irmãos de Valdo. Os demais narradores, Padre Justino, Betty, a governanta, o médico, o farmacêutico e o Coronel, são testemunhas dos fatos narrados.

Outra semelhança entre as obras é o filho nascido de relação fora do casamento. Em Enquanto Agonizo, Jewel é filho de Addie Bundrem, mas o pai não é o marido de Addie, Anse, mas o reverendo Whitfield. Na Crônica, paira a suspeita de que André não seja filho de Valdo. O ponto comum que mais chama a atenção do leitor é, sem dúvida, o fato de que tanto Nina quanto Anse Bundrem cheiram mal. Nina começa a cheirar mal ainda com vida, apodrecendo aos poucos, obrigando a família a manter as janelas abertas. Anse Bundrem começa a cheirar mal porque há uma demora muito grande em realizar seu sepultamento.

Há diferenças entre os dois romances evidentemente e essas são significativas. Faulkner trabalha com maestria o fluxo de consciência, o que Lúcio Cardoso não consegue fazer. Os narradores de Enquanto agonizo têm “autonomia” estilística, cada qual tem seu estilo, seus torneios vocabulares; na Crônica, todos os narradores falam da mesma maneira, há uma uniformidade estilística. Na Crônica, temos a volta de Nina à casa dos Meneses, depois de 10 anos. Enquanto Agonizo se centra no deslocamento da família Bundrem para sepultar Addie em Jefferson, pois esse era seu desejo. As narrações das personagens secundárias de Enquanto agonizo não são, como na Crônica, testemunhos dos fatos apenas, mas sinalizam ao leitor sutilmente o que se espera.

No único capítulo narrado por Samson, um fazendeiro que dá abrigo aos Bundrem em sua jornada, depois que os Bundrem vão embora, o fazendeiro ouve um barulho no estábulo onde a família dormira. Samson entra no estábulo para ver o que acontecia e temos a seguinte fala do fazendeiro:

“Quando caminhei ao longo do corredor vi alguma coisa. Meio que apareceu quando eu entrei e primeiro pensei que fosse um deles que havia ficado ali, depois vi o que era. Era um urubu”.

Esse é o primeiro signo de que o cadáver de Addie já cheira mal e a família ainda estava bem longe de Jefferson. Outros aparecerão no decorrer da narrativa.

Fizalizando, destaco que em outro post já teci alguns comentários sobre a Cônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso. Para quem se interessar em ler, basta clicar aqui.

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