Letra e fonema

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Neste post e no próximo, trato de questões que parecem elementares, como o que é um fonema, quantas e quais são as vogais em português, qual a diferença entre uma vogal e uma semivogal, entre outras relacionadas à fonologia. Digo “parecem elementares” porque recebo muitas mensagens de pessoas que ainda fazem confusão com conceitos básicos de fonologia. O objetivo deste post e dos próximos é comentar alguns desses conceitos sem a pretensão de esgotar o assunto e tentar sanar algumas dúvidas que me chegaram. Começo explicando o que é fonema.

As gramáticas costumam definir fonema como unidade mínima de caráter sonoro capaz de estabelecer distinção entre vocábulos de uma língua.

Essa definição, embora correta, precisa ser melhor esclarecida. Vamos lá: se eu eu digo que fonema é “unidade mínima”, estou dizendo que os fonemas não comportam divisão em unidades menores. Quando afirmo “de caráter sonoro”, ressalto que os fonemas dizem respeito à língua falada e não à língua escrita, portanto fonema não se confunde com letra. Quando afirmo “capazes de estabelecer distinção entre vocábulos de uma língua”, me refiro à sua função.

Avanço mais um pouco na definição. Os fonemas são realizações linguísticas desprovidas de significado, ou seja, isoladamente um fonema nada significa. Combinado com outro(s) fonema(s), vão constituir unidades de sentido, os morfemas.  Embora não comportem divisão em unidades menores, os fonemas resultam de traços que os diferenciam uns dos outros, como /nasalidade/, /oralidade/, /sonoridade/, /bilabialidade/ etc.

Da definição de fonema que apresentei, chamo sempre a atenção para seu caráter funcional. Por quê? Simplesmente porque o fonema não pode ser confundido com o som que o manifesta.

A função dos fonemas, como se depreende da definição apresentada, é distinguir palavras de uma língua. A palavra tia se distingue da palavra dia pelo fonema inicial:

/t/ /i/ /a/

/d/ /i/ /a/

É muito importante que se tenha sempre em conta que o fonema é um traço distintivo e não pode ser confundido com o som que o manifesta. Veja, por exemplo, que o fonema /t/ na palavra tia, apresenta realizações diferentes dependendo do falante. Em algumas regiões do Brasil, sua realização é algo como tchia. Em algumas regiões do interior de São Paulo, a palavra porta se realiza assim: poRRRta. Temos o R caipira, ou mais precisamente o R retroflexo. Pronuncie-se porta ou porrrta, temos o mesmo fonema e não dois fonemas distintos, porque não distingue palavras, o que ocorreria no par porta / posta (do verbo postar). Do mesmo modo, pronuncie-se tia ou tchia, temos o mesmo fonema inicial. Trata-se do fonema consonantal oclusivo surdo /t/.

O caráter distintivo do fonema fica claro quando se adota o procedimento da comutação, que é o que fiz no para tia / dia. Nesse caso, houve a comutação do fonema consonantal oclusivo surdo /t/ pelo fonema consonantal oclusivo sonoro /d/. Portanto, o que distingue o fonema /t/ do fonema /d/ é o traço sonoridade, presente em /d/ e ausente em /t/.

Veja outro exemplo. O que distingue a palavra  mato da palavra manto é um fonema: em mato, temos o fonema oral /a/, em manto, o fonema nasal /ã/, representado na escrita por an. Trata-se de um dígrafo, ou seja, duas letras (a + n) representam um único fonema vocálico /ã/.

Avanço mais um pouco. No par maça / maçã, o que distingue uma palavra de outra é o traço nasalidade, presente em /ã/ (maçã) e ausente em /a/ (maça, é o mesmo que clava), portanto /a/ e /ã/ são fonemas. O primeiro é um fonema oral; o segundo, um fonema nasal. Na escrita, de maçã a nasalidade é marcada pelo til ( ˜). Você deve estar se perguntando: e a palavra massa?

Vale relembrar que, quando estudamos fonemas, estamos no domínio da língua falada. No par maça / massa, temos exatamente os mesmos fonemas. Note que o som dessas palavras é exatamente o mesmo, ou seja, nesse par, as letras ç e ss representam, o mesmo fonema consonantal surdo /s/. Trata-se de palavras que possuem o mesmo som, mas sentidos diferentes como nos pares cela / sela, acento / assento. A essas palavras, dá-se o nome de homônimas. Como você já notou, para efeito de estudo dos fonemas, não interessam as letras que usamos para representá-los. A representação dos fonemas por meio de letras diz respeito à ortografia, que é outro assunto.  

Até aqui, usei como critério para definir e identificar os fonemas a oposição de um fonema com outro, como /t/ e /d/, /a/ e /ã/. A identificação do fonema se dá também pela oposição presença / ausência.  No par /bala e ala/, o que distingue bala de ala é a presença do fonema bilabial sonoro inicial /b/ na primeira e a ausência desse fonema na segunda.            

Na língua escrita, os sons da fala são representados por sinais gráficos denominados letras, que podem estar ou não acompanhados de outros sinais, denominados notações léxicas, os acentos gráficos, o til e a cedilha. Nem sempre, como você já observou, há equivalência entre o número de letras e o número de fonemas, já que um fonema pode ser representado por mais de uma letras como no exemplo manto que apresentamos acima em que as letras a e n  representam um único fonema, o a nasal (mãto). Por outro lado, há casos em que uma letra não representa fonema algum, é o caso da letra h, em palavras como oh! e hora.

O post já se alongou um pouco e, por isso, paro por aqui. Nele, trouxe os conceitos básicos que servirão de fundamento para os assuntos a serem tratados no próximo post.

4 Comentários


  1. Excelente texto, professor! Hoje à tarde darei uma aula sobre fonema, adorei ler esse texto! Obrigada, continue compartilhando suas análises com seus seguidores! Um abraço

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