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No artigo falo sobre o conto Hoje de madrugada, de Raduan Nassar, que faz parte do livro Menina a caminho e outros textos, publicado pela Companhia das Letras. Minha edição é a 2a. (2010). Além do conto que comento neste artigo e o que dá título ao volume, o livro traz ainda os contos O ventre seco, Aí pelas três da tarde e Mãozionhas de seda. Hoje de madrugada é marcado pelo erotismo, que, segundo Bataille, nos leva à solidão e ao silêncio.
Em Hoje de madrugada, as personagens não têm nome, são apenas marido e mulher, o que remete a uma desinviduação dos sujeitos narrativos. Quem narra é o homem, mas há uma inversão. Embora seja o homem quem assume o discurso narrativo, é a mulher quem assume e conduz o jogo da sedução, subvertendo as representações sociais que temos do jogo da posse sexual, já que é a mulher quem toma a iniciativa na busca de saciar o desejo sexual. A mulher é sujeito do desejo; o homem objeto. Na novela Um copo de cólera, também publicada pela Companhia das Letras, Raduan Nassar já explorara esse tema.
Em Hoje de madrugada, o jogo da sedução não se concretiza, porque o homem exerce a função de antissujeito, não cedendo até o final ao jogo erótico da mulher, mostrando desde o início a insatisfação perante o corpo desnudo da mulher.
Temos aí outro tema frequente na obra de Raduan Nassar: a recusa. O início do conto já mostra que a recusa do homem está relacionada à perda de beleza da mulher. Tema antigo trazido por Nassar: a beleza como forma de sedução e a perda da beleza como perda da identidade. Ela não é mais mulher porque não seduz.
Uma outra leitura, que não invalida a citada, é a do medo do homem à vagina da mulher, na medida em que, no ato sexual, é a vagina que come o pênis. O título do conto situa o leitor no tempo da narrativa (hoje / madrugada), o espaço é fechado (o pequeno cômodo da casa em que o marido trabalha).
Um outro aspecto que poderia se explorado no conto e que não faço aqui, por absoluta falta de espaço, é o emudecimento dos atores que se comunicam por bilhetes curtos escritos em folhas de rascunho: “vim em busca de amor”, diz o bilhete dela, em que “em cada letra era fácil de ouvir o grito de socorro”; em resposta o homem escreve “não tenho afeto para dar” (o erotismo como forma de silêncio, Bataille).