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No último post, defini fonema e afirmei que retomaria o assunto. É o que faço neste artigo. Antes, porém, retomo a definição de fonema apresentada.
Fonema é um conceito do domínio da língua falada. Trata-se de uma unidade de caráter sonoro que tem a propriedade de estabelecer distinção entre palavras de uma mesma língua.
Como chamei a atenção naquela ocasião, o que caracteriza o fonema é sua função de distinguir palavras, ou seja, entre tio e tchio, embora tenhamos sons diferentes, temos o mesmo fonema no início da palavra, porque essa unidade sonora, embora tenha realizações diferentes, distingue tio (ou tchio) de cio, fio, pio etc. Note que, pronuncie-se /tio/ ou /tchio/, não se distinguem as palavras. Ambas designam a mesma coisa, “irmão do pai ou da mãe em relação aos filhos destes”.
Classificação dos fonemas
Os fonemas da língua portuguesa classificam-se em:
- vogais: resultam da livre passagem da corrente de ar. São representados pelas letras a, e, i, o e u. As vogais funcionam sempre como base da sílaba, o que significa que o número de sílabas de uma palavra corresponde sempre ao número de vogal.
Ex.: bala , bela, beleza, bola, colega, livro, saci, urubu, irmã, põe
A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) apresenta uma classificação das vogais (e também das consoantes), que não apresento aqui, mas que pode ser facilmente encontrada caso você se interesse em saber. Em nosso livro Curso prático de gramática, publicado pela Editora Scipione, há uma classificação completa das vogais e consoantes do português.
Para o que será tratado neste post, considero importante que você saiba que existem vogais orais e nasais; abertas e fechadas, tônicas e átonas.
As vogais abertas, como o nome indica, são pronunciadas com a cavidade bucal mais aberta: pele, bola. As fechadas, ao contrário, são pronunciadas com a cavidade bucal mais fechada.: gelo, porco
Nas vogais orais, o som ressoa apenas na boca: dó, mês, pele, pelo. Nas nasais, o som ressoa também pela cavidade nasal: fã, lã, irmã, antes.
As vogais tônicas são pronunciadas com maior intensidade: belo, mole. As átonas são pronunciadas com mesmo intensidade: dente, menino.
A classificação em aberta / fechada, oral / nasal, tônica e átona leva em conta critérios diferentes, por isso se diz, por exemplo, que, na palavra dente, o primeiro e é uma vogal fechada, nasal e tônica. O segundo é uma vogal fechada, oral e átona.
- consoantes: sons que resultam de algum obstáculo encontrado pela corrente de ar. As consoantes nunca formam sílabas sozinhas e se apoiam em uma vogal para formar sílabas.
Ex.: batata, caderno, dado, faca, gato, jeito, lápis, mar, nada, pato, rato, sala, tela, vela, xarope, zebra.
- semivogais: são fonemas de caráter vocálico que se unem a uma vogal para com elas formar sílaba. Como o próprio nome indica, são vogais pela metade; pois, ao contrário das vogais, nunca funcionam como base de sílaba. São os fonemas /w/ e /y/, representados pelas letras i e u (em algumas palavras, pelas letras e e o que soam como i e u átonos, respectivamente.
Ex.: série, história, beijo, pai, dói, mouro, doutor, água, mágoa, córnea, põe, não, mãe
Obs.: em certas palavras, a semivogal pode ser representada pelas letras:
L: sal (pronuncia-se /saw/)
M: cantaram (pronuncia-se /cãtarãw/)
N: bens (pronuncia-se /be(˜)ys/) [Ver nota 1 no fim do post]
Os fonemas de uma língua constituem um conjunto fechado. Em português, temos 31 fonemas, sendo 12 fonemas vocálicos (sete orais e cinco nasais), 19 consonantais e 2 semivocálicos.
Obs: o Acordo Ortográfico incorporou ao nosso alfabeto as letras k, w e y. A primeira representa sempre um fonema consonantal. O w é consoante quando soa com /v/, como em Wágner; é vogal quando soa como /u/, como em Wílson. O y é vogal quando é base de sílaba como em Jessyca; é semivogal quando forma sílaba com um vogal, como em motoboy.
Dígrafos
Dígrafo é o encontro de mais de uma letra representando um único fonema.
Os dígrafos podem ser:
- consonantais: quando representam um fonema consonantal:
chave, quilo, queijo, marreta, assado, ninho, gralha, exceção, descer, chuva
- vocálicos: quando representam um fonema vocálico:
tampa, vento, limpo, compra, conta, mundo, bomba
Obs.: nos dígrafos vocálicos as letras m e n aparecem depois de uma vogal em final de sílaba. Nesse caso, eles não são consoantes, estão apenas indicando que a vogal que as precede (a, e, i, o, u) é nasal. Os dígrafos, como se pode observar, representam sempre um fonema vocálico nasal. Nesse caso, as letras m e n não são fonemas, portanto não se classificam como consoantes. As letras m e n apenas representam fonemas consonantais quando estiverem em início de sílaba: mar-re-co, mar-te-lo, na-vio, nês-pe-ra, gra-má-ti-ca, ca-nil, ci-nis-mo, o-ti-mis-mo, a-no-re-xi-a. Observe que, nesses casos, ao contrário do que ocorre nos dígrafos, o m e o n vêm antes da vogal e não depois dela.
Como o h não representa um fonema, quando seguido de vogal, formará dígrafo vocálico: haver, herege, hiato, hoje, humilde, hambúrguer (nessa palavra temos um dígrafo vocálico nasal representado por três letras ( h + a + m = ã).
Sílaba
Sílaba é o fonema ou grupo de fonema pronunciado numa só expiração de voz.
Todas as palavras da língua apresentam ao menos uma sílaba. Toda sílaba tem por base uma vogal, que pode estar acompanha por semivogal ou consoante(s). Não existe sílaba sem vogal. Assim, uma palavra terá tantas sílabas quantas vogais existirem. A vogal é ponto sonoro mais alto da sílaba, por isso é chamada de ápice silábico. Uma vogal sozinha pode constituir sílaba, como em a–í, a-teu, e-lé-tri-co, sa-í-da, o-vo, u-ru-bu.
Encontros vocálicos
Encontro vocálico é o encontro de vogais ou de vogal com semivogal numa palavra.
Os encontros vocálicos classificam-se em:
1. ditongos: encontro de uma vogal com uma semivogal (ou vice-versa) numa palavra. Vogal e semivogal são pronunciadas numa só expiração, o que significa que pertencem a uma mesma sílaba. Os ditongos podem ser:
a) crescentes: quando a semivogal vem antes da vogal: série, história, água, qual, língua, quando, aguentar.
Obs: em palavras como quero, quilo, preguiça não há ditongo crescente. Nessas palavras o U não é uma semivogal. Observe que ele não é pronunciado (não se trata de um fonema, portanto). Ele se junta as letras q e g pasta formar dígrafo consonantal.
b) decrescentes: quando a vogal vem antes da semivogal: pai, rei, coisa, chapéu, anéis, caracóis, auge, demais, mãe, dispõe, alemães, irmão.
Os ditongos (crescentes ou decrescentes) podem ser orais, quando a vogal é oral) ou nasais, quando a vogal é nasal. Observe.
série, lírio, água, língua (ditongo oral crescente)
quando, aguentar (ditongo nasal crescente)
coisa, estou, anéis, mingau (ditongo oral decrescente)
mãe, dispõe (ditongo nasal decrescente)
Obs.: em palavras como bem, tem, cantaram e amaram, a letra m final da palavra, ao nasalizar a vogal anterior, produz ditongos nasais decrescentes. Nesse caso, a semivogal não vem expressa: /cantarãw/, /amarãw/, /be(˜)j/ , /te(˜)j/ [Ver nota 1 no fim do post], por isso são chamados de ditongos fonéticos.
Os encontros vocálicos átonos ia, ie, io, ua, ue, uo (seguidos ou não de -s), em final de palavras são classificados como ditongos crescentes, o que é mais comum, ou como hiatos, admitindo, portanto, dupla separação silábica e dupla classificação quanto à posição da sílaba tônica: paroxítonas terminadas em ditongo crescente ou proparoxítonas, chamadas de proparoxítonas eventuais. Quando tais encontros são considerados ditongos crescentes, o i e o u funcionam como semivogal; quando considerados hiatos, o i e o u funcionam como vogais, já que são centro de sílaba.
his-tó-ria (ditongo crescente: o i é semivogal) ou his-tó-ri–a (hiato: o i é vogal);
cá-rie (ditongo crescente: o i é semivogal) ou cá-ri–e (hiato: o i é vogal);
sé-rio (ditongo crescente: o i é semivogal) ou sé-ri–o (hiato: o i é vogal);
ré-gua (ditongo crescente: o u é semivogal) ou ré-gu–a (hiato: o u é vogal);
tê-nue (ditongo crescente: o u é semivogal) ou tê-nu–e (hiato: o u é vogal);
ár-duo (ditongo crescente: o u é semivogal) ou ár-du–o (hiato: o u é vogal).
Veja que, independentemente, da classificação que se dê às palavras terminadas por esses encontros, elas recebem acento gráfico.
2. tritongo: encontro de semivogal + vogal + semivogal nessa ordem. Pode ser:
a) oral: quando a vogal é oral: Uruguai, Paraguai, averiguei
b) nasal: quando a vogal é nasal: saguão, quão
Obs.: em palavras como enxáguam, águam temos tritongos nasais fonéticos em que a segunda semivogal não é representada graficamente.
3. hiato: encontro de duas vogais, cada uma delas pertencendo a uma sílaba diferente.
ra–iz, ra–í-zes, sa–ú-de, vi–ú-va, ba–ú, ra–i-nha, a-ben-ço–o, ve-em
Encontros consonantais
Encontro consonantal é o encontro de duas ou mais consoantes numa mesma palavra sem que haja entre elas alguma vogal.
pra-to, bri-ga, blu-sa, pla-no, li-vro, dig–no, fal–so, ca-der–no, naf–ta, quar-tzo, ads-trin-gen-te, psi-co-lo-gi-a, gno-mo, pneu
Obs.: nos encontros consonantais, ambas as consoantes são pronunciadas e podem estar na mesma sílaba, como em pra-to ou não, como em fal–so. Não há como confundir encontro consonantal com dígrafo, já que nos dígrafos duas consoantes juntas representam um único fonema, como em barro, vassoura, nascer, exceto.
Embora a NGB não classifique os encontros consonantais, as gramáticas costumam distinguir encontros consonantais perfeitos ou separáveis e encontros consonantais imperfeitos ou inseparáveis.
São chamados de encontros consonantais perfeitos aqueles em que ambas as consoantes pertencem à mesma sílaba. Nesse caso, a segunda, geralmente, é L ou R.
blusa, clima, tecla, afluente, iglu, aplauso, atlas, briga, cravo, fraco, degrau, opressor, agressão, atraso.
São chamados de encontros consonantais imperfeitos aqueles cujas consoantes pertencem a sílabas diferentes.
dig–no, mag–ma, per–fei-to, gos–to, mo-der–no, a-ber–tu-ra, cir–cu-lar
Obs.: em palavras como sublegenda, sublocar e sublingual, o encontro consonantal bl deve ser pronunciado separado, isto é, como encontro consonantal imperfeito: sub–le-gen-da, sub–lo-car, sub–lin-gual. Na palavra sublinhar, o encontro bl pode ser pronunciado como encontro consonantal perfeito, su-bli-nhar, ou imperfeito, sub–li-nhar.
Nota 1: neste artigo uso o til ( ~ ) sobre a vogal para indicar que se trata de fonema nasal. Assim /cãto/, /cõto/. Na escrita, grafam-se canto e conto. Como os recursos do processador em que escrevo este texto não admite que se coloque o til sobre a vogal E, indico a nasalização desse fonema com o til entre parênteses depois o E: /be(˜)ys/. Na escrita, escreve-se bens.
Este assunto e outros são tratados em nosso livro Curso prático de gramática, publicado pela Editora Scipione. Para adquiri-lo, clique no link abaixo.
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Explicação excelente e bem detalhada !!!!!
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Muito obrigado.