Fonemas

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Uma pessoa que acompanhava as publicações do blogue há tempos entrou em contato comigo para que eu explicasse o conceito de fonema. Comecei a redigir a resposta e vi que ela estava se estendendo demais e, como outros leitores poderiam ter a mesma dúvida, optei por tornar a resposta do leitor num post. Vamos então à resposta.

Fonemas são unidades mínimas de caráter sonoro capazes de estabelecer distinção entre vocábulos de uma língua.

Tentando tornar clara a definição, fonemas

  1. são unidades mínimas: isso significa que o fonema não comporta divisão em unidades menores;
  2. de caráter sonoro: fonemas dizem respeito à língua falada e não à língua escrita;
  3. capazes de distinguir palavras: isso diz respeito à sua função.

Acrescento mais algumas informações sobre fonemas:

  1. são realizações linguísticas desprovidas de significado, ou seja, isoladamente um fonema nada significa; 
  2. embora não comportem divisão em unidades menores, os fonemas resultam de traços que os diferenciam uns dos outros, como /nasalidade/, /oralidade/, /sonoridade/, /bilabialidade/, etc.;
  3. os fonemas se agrupam em unidades sonoras maiores, as sílabas, cuja base é sempre um fonema vocálico.

A função dos fonemas, como se depreende da definição apresentada, é distinguir palavras de uma língua. A palavra tia se distingue da palavra dia pelo fonema inicial: /t/ em tia; /d/ em dia.

/t/ /i/ /a/

/d/ /i/ /a/

Tanto /t/ quanto /d/ são fonemas consonantais orais, oclusivos e labiodentais, ou seja, em ambos o som ressoa apenas na boca (orais), apresentam o mesmo modo de articulação (oclusivos) e o mesmo ponto de articulação (linguodentais). A diferença entre eles reside no fato de que /d/ apresenta o traço sonoridade (na sua produção as cordas vocais vibram); em /t/, esse traço está ausente (não há vibração das cordas vocais). A diferença entre /t/ e /d/ é que a primeira é uma consoante surda, enquanto a segunda é uma consoante sonora.

Já no par /tia vs. fia/, a distinção entre uma e outra não se dá pelo traço sonoridade (/t/ e /f/ são fonemas consonantais surdos), mas pelo ponto de articulação. O fonema /t/ é uma consoante linguodental, ao passo que o fonema /f/ é uma consoante labiodental.

É muito importante que se tenha sempre em conta que o fonema é um traço distintivo e não pode ser confundido com o som que o manifesta. Por exemplo, o fonema /t/ na palavra tia, apresenta realizações diferentes dependendo do falante. Em algumas regiões do Brasil, sua realização é algo como tchia. A variação na produção de um fonema, sem que isso interfira na compreensão da palavra por parte do ouvinte, recebe o nome de alofone.

Em algumas regiões do interior de São Paulo, a palavra porta se realiza assim: poRta. Temos o /R/ caipira, ou mais precisamente o /R/ retroflexo. Pronuncie-se porta ou poRta, temos o mesmo fonema, representado pela letra r, e não dois fonemas consonantais distintos, porque ele não está distinguindo palavras (porta ou poRta significam a mesma coisa), o que não ocorreria, por exemplo, no par porta / posta (do verbo postar). Do mesmo modo, pronuncie-se tia ou tchia, dia ou djia, tem-se o mesmo fonema inicial em cada par: o fonema consonantal oclusivo linguodental surdo /t/ em tia ou tchia e o fonema consonantal oclusivo linguodental sonoro /d/ em dia ou djia. A distinção entre tia e dia de faz pelo traço /sonoridade/, ausente em /t/ e presente em /d/.

A letra r pode representar fonemas distintos. Compare: roda e caro. Em roda, a letra r representa o fonema /R/ (um r forte); em caro, a mesma letra representa o fonema /r/, (um r brando). Em início de palavra, a letra r sempre representa o fonema /R/: rico, rato, rei, ramo, etc. No interior da palavra, o fonema /R/ é representado por dois rr, um dígrafo (ver adiante): carro, berro, aguerrido, corrida, morro, etc. ou pela letra r , depois de L, N, S: guelra, abalroar, honra, tenro, genro, israelense, transracional.

O caráter distintivo do fonema fica claro quando se adota o procedimento da comutação, que é o que fiz quando troquei o /t/ de tia pelo /d/ de dia. Nesse caso, houve a comutação de um fonema consonantal oclusivo surdo /t/ por um fonema consonantal oclusivo sonoro /d/. Portanto, o que distingue /t/ de /d/ é o traço sonoridade, presente no segundo e ausente no primeiro.

Outro exemplo. O distingue a palavra mato da palavra manto é um fonema: em mato, tem-se o fonema oral /a/, em manto, o fonema nasal /ã/, representado na escrita por duas letras, an. Trata-se de um dígrafo, ou seja, duas letras (a + n) representando um único fonema, /ã/. O /a/ de mato é um fonema oral porque o som ressoa apenas na cavidade bucal; o /ã/ de manto é um fonema nasal porque o som ressoa também na cavidade nasal. A nasalidade de um fonema vocálico é indicada pelo til (˜) ou pela letra m ou n em final de sílaba.

Avanço um pouco. No par maça / maçã, o que distingue uma palavra de outra é o traço nasalidade, presente em maçã e ausente em maça (o mesmo que clava, uma espécie de porrete), portanto /a/ e /ã/ são fonemas. O primeiro é um fonema oral; o segundo, um fonema nasal. Alguém poderia perguntar: e a palavra massa?

Vale relembrar que, ao tratar de fonemas, estamos no domínio da língua falada. No par maça / massa, temos exatamente os mesmos fonemas. O som dessas duas palavras é exatamente o mesmo, ou seja, nesse par as letras ç e ss representam o mesmo fonema consonantal surdo /s/. Trata-se de palavras que possuem o mesmo som, mas sentidos diferentes, como nos pares cela / sela e acento / assento. A essas palavras damos o nome de homônimas. Para efeito de estudo dos fonemas, não interessam as letras que usamos para representá-los. A representação dos fonemas por meio de letras diz respeito à ortografia, que é uma convenção. 

Até aqui, usei como critério para definir e identificar os fonemas a oposição de um fonema com outro, como /t/ e /d/, /a/ e /ã/, /r/ e /R/. A identificação do fonema se dá também pela oposição presença / ausência.  No par bala / ala, o que distingue bala de ala é a presença do fonema bilabial sonoro inicial /b/ na primeira e a ausência desse fonema na segunda. Resumindo: o que distingue par de bar é o traço sonoridade, presente em /b/ e ausente em /p/, mas o que distingue bar de ar é a presença do fonema consonantal oclusivo sonoro /b/, presente em bar e ausente em ar.

Na língua escrita, os sons da fala são representados por sinais gráficos denominados letras, que podem estar ou não acompanhados de outros sinais, denominados notações léxicas, os acentos gráficos, o til e a cedilha. Nem sempre há equivalência entre o número de letras e o número de fonemas, já que um fonema pode ser representado por mais de uma letra, como no exemplo manto apresentado acima, em que as letras a e n  representam um único fonema, o a nasal (mãto). Por outro lado, há casos em que uma letra não representa fonema algum, é o que ocorre com a letra h, em palavras como oh! e hora. É importante que não se confunda fonema com letra; pois, como afirmei, o primeiro é da língua falada, a segunda é do domínio da língua escrita. Com base no que expus até agora, apresento uma definição ampliada de fonema.

Fonema é um conceito do domínio da língua falada. Trata-se de uma unidade de caráter sonoro que tem a propriedade de estabelecer distinção entre palavras de uma mesma língua.

Ao pronunciar a palavra bola, você identifica quatro sons:/b/ /o/ /l/ /a/, cada um deles é um fonema. Os fonemas costumam ser representados entre duas barras verticais (/ /). Na maioria dos fonemas, o símbolo que o representa é igual a letra que utilizamos na escrita, /a/, /d/, /v/. Alguns fonemas são representados por símbolos especiais, por exemplo os as semivogais são representadas pelos símbolos /y/ e /w/.

Observe que os fonemas distinguem uma palavra de outra(s).

/b/ /o/ /l/ /a/              /b/ /o/ /l/ /a/                 /b/ /o/ /l/ /a/                 /b/ /o//l/ /a/

/c/ /o/ /l/ /a/              /b/ /e/ /l/ /a/                 /b/ /o/ /t/ /a/                /b/ /o/ /l/ /e/

Os fonemas podem ser representados por:

  1. uma única letra: na palavra bala, o fonema /b/ é representado pela letra b; o fonema /a/ pela letra a; na palavra forte, o fonema /f/ é representado pela letra f; na palavra corte, o fonema /k/ é representado pela letra c.
  2. por mais de uma letra: o fonema /R/ no interior da palavra é por rr, como ocorre na palavra carro; o fonema /k/, na palavra quilo, é representado por qu,  o fonema /ã/ na palavra canto é representando por an.

Há casos em que uma letra representa mais de um fonema, como em táxi e tóxico. Nessas palavras, a letra x soa como ks: (/t/ /a/ /k/ /s/ /i/);  (/t/ /ó/ /k/ /s/ /i/ /c/ /o/).

Uma mesma letra pode representar fonemas diferentes como a letra o nas palavras bola e bolo. Em bola, a letra o representa a vogal oral aberta o (pronuncia-se bóla); em bolo, essa mesma letra representa a vogal oral fechada o (pronuncia-se bôlo). A letra z pode representar o fonema /z/ como em natureza ou fonema /s/ como em altivez.

Pode ocorrer também de uma letra não representar fonema algum, como o h em palavras como hoje e hora, que se pronunciam /oji/ e /ora/, respectivamente.

Do que se apresentou, podemos tirar algumas conclusões. Numa palavra:

  1. o número de fonemas pode ser igual ao número de letras: bota (quatro letras e quatro fonemas);
  2. o número fonemas pode ser menor que o número de letras: quilo (cinco letras, quatro fonemas; pronuncia-se kilo);
  3. o número de fonemas pode ser maior que o número de letras: táxi (quatro letras, cinco fonemas; pronuncia-se táksi).
  4. um mesmo fonema pode ser representado por letras diferentes. Nas palavras jogo e gelo, tem-se o mesmo fonema inicial. Na primeira, esse fonema é representado pela letra j e na segunda, pela letra g;
  5. uma mesma letra pode representar fonemas diferentes. Observe o som representado pela letra x nas palavras xícara, exame, texto.

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