Escrevendo à moda antiga

Escrevendo à moda antiga

Tempo de leitura: 2 minutos

No último post, falei sobre o ato de ler. Neste, vou tratar de forma muito pessoal do ato de escrever.

Minha atividade profissional está ligada à escrita. Creio que deve fazer bem mais de trinta anos que, no exercício de meu trabalho, escrevo textos exclusivamente usando o teclado de um computador. A caneta (adoro canetas, tenho várias) serve apenas para escrita de coisas pessoais: anotações de aulas, recados, pequenas listas, bilhetinhos, avisos, dedicatórias em livros, enfim, coisas de pequeníssima extensão em que inexiste a preocupação em ordenar ideias.

Nesses anos todos, usando o computador, desenvolvi algumas técnicas que essa tecnologia proporciona e que, na escrita quirográfica, são impraticáveis. No computador, escrevo rapidamente de modo a não permitir que as ideias fujam, o que resulta um “texto” com muitos problemas. Depois, vou lendo, relendo, arrumando, num trabalho demorado que exige muita atenção e muita paciência (lembra o catar feijão do João Cabral).

Recorto um parágrafo e colo em outro lugar, altero as relações e a ordem entre as frases. Na frase, altero a ordem dos termos, substituo palavras por outras que considero mais precisas, cuido da pontuação e da gramática e assim, para usar as palavras de Othon M. Garcia, que me ensinou muito sobre escrita, vou “pondo ordem no caos”, fazendo aquele monte de palavras ir tomando a cara de um texto. Nunca fica totalmente bom; mas, como se tem prazo para entregar, uma hora tenho de dar o texto por acabado e assim lá se vai ele para desespero do autor.

Outro dia, tive, por obrigação, de escrever um texto usando a tecnologia antiga, caneta e papel, situação análoga à que os estudantes vivenciam quando têm de escrever a redação no Enem ou de um exame vestibular. Adivinhem o que aconteceu? Travei. Olhava a folha branca e ela foi ficando amarelada, a caneta tremia na mão. Quando consegui escrever alguma coisa, o resultado foi trágico. A letra estava quase ilegível, as frases não se articulavam umas com as outras, ficando um amontoado e palavras sem sentido.

Me dei conta de que a técnica com a qual já estava tão acostumado, que parecia fazer parte da minha natureza, não dava para ser aplicada quando se tem apenas a folha em branco e um instrumento de escrita. A sensação foi de desespero. Comecei a achar que tinha desaprendido a escrever. Me dei conta de que escrever com caneta não é como andar de bicicleta que dizem que a gente nunca esquece. Me senti como uma criança aprendendo a andar: tímido, inseguro, cambaleante.

Depois de muito esforço o texto saiu, mas não fiquei nem um pouco satisfeito com o resultado. Parecia que não fui eu quem escreveu aquilo, que aquela bicicleta não era a minha, que o feijão ficou insosso.

4 Comentários


  1. Texto delicioso, Ernani!

    Muito oportuno. Será que na escrita à mão e na escrita em computador o texto nos leva a lugares distintos?

    Abraço!

    Responder

    1. Eu, por experiência, acredito que os rumos do texto escrito do texto digitado são mesmo diferentes.

      Responder

      1. Sim. Os computadores permitiram uma nova escrita de textos e de erros também. Há certos erros que são típicos da escrita em computador, como os resultantes do copia e cola. A pessoa copia algo, coloca em outro lugar e esquece de apagar o que copiou.

        Responder

    2. Beth, não se levam a lugares distintos. A leitura que se faz de ambos também é bem diferente.A questão que você levanta é bem interessante. Vou pensar nisso. Um abraço.

      Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.