Coesão (elipse, repetição e conexão)

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No último post falei sobre coesão por substituição. Ao final, me comprometi a voltar ao tema. Neste post, discorro sobre coesão por elipse, por repetição e por conexão).

Coesão por elipse

Antes de mais nada, quero deixar claro que a coesão por elipse é uma forma de coesão por substituição. Nesse caso, em vez de se substituir o termo por item lexical ou gramatical, faz-se a substituição por zero. Nesse caso, uma palavra ou expressão já apresentada no texto, é intencionalmente omitida e pode ser recuperada facilmente com base na situação comunicativa. Na conversação, é comuníssimo o uso desse recurso. Observe.

– Meu tipo sanguíneo é O.

– O meu é A.

 O segundo interlocutor omitiu intencionalmente duas palavras porque elas são recuperadas na situação comunicativa: O meu [tipo sanguíneo] é A.

Veja outro exemplo.

Esta dissertação está organizada em três capítulos: o primeiro traz uma reflexão sobre a noção de texto; o segundo trata especificamente dos textos digitais e o terceiro discute a papel dos textos digitais como objetos didáticos.

 A palavra capítulo, apresentada logo na primeira frase, é omitida nas orações seguintes logo após os numerais ordinais primeiro, segundo e terceiro. A omissão desse termo facilmente subentendido não só favorece a coesão como contribui para tornar o texto mais conciso, na medida em que se usam menos palavras para transmitir uma ideia, sem que essa economia de palavras interferira na clareza do texto.

Coesão por repetição

A repetição intencional de um mesmo item lexical também pode favorecer a coesão textual por enfatizar uma ideia, mantendo-a em foco. Nesse caso, a repetição confere ênfase e força argumentativa ao enunciado, visando conseguir a adesão do leitor ou do ouvinte.

Há figuras de retórica que tratam da repetição de palavras, como o polissíndeto (repetição de uma mesma conjunção), a anáfora (repetição de uma mesma palavra no início de versos ou parágrafos), o quiasmo (repetição cruzada). Veja alguns exemplos:

“Dia virá em que ficarão com sede, muita sede, e não terão água para beber: os rios e lagoas e valos e regatos e até a água da chuva estarão sujos e pobres. E chorarão. E continuarão com sede porque a água do choro é salgada e amarga.” (Werner Zotz)

“Olha a voz que me resta / Olha a veia que salta / Olha a gota que falta.” (Chico Buarque)

“É uma casa portuguesa, com certeza/ É, com certeza, uma casa portuguesa” (Verso do fado Uma casa portuguesa, de V. M Sequeira, Artur Fonseca e Reinado Ferreira)

“Não sei se fato ou se é fita / Não sei se é fita ou se é fato/ O fato é que ela me fita / Me fita mesmo de fato” (Trova acadêmica anônima, cantada pelos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo)

No primeiro exemplo, temos um polissíndeto, repetição da conjunção aditiva e; no segundo, um exemplo de repetição da palavra olha no inicio de cada verso. No terceiro, temos um exemplo de quiasmo, repetição cruzada (em forma de X).

A trova acadêmica é construída basicamente sobre repetições. Repetem-se as mesmas palavras, ora no início dos versos, ora de forma cruzada (quiasmo). Se avançarmos um pouco, veremos que a repetição de palavras implica a repetição de mesmos fonemas. Observe os fonemas consonantais /f/ e /t/, que se repetem, formando uma aliteração, e os fonemas vocálicos /a/ e /i/, que também se repetem, configurando uma assonância. Temos ainda a repetição de mesmas estruturas sintáticas e rítmicas. Tudo isso contribui para a coesão e expressividade do texto, facilitando sua memorização. Basta ouvi-lo uma única vez para que ele fique guardado em nossa memória.

No exemplo que segue, a repetição palavra sangue é fator de coesão textual, além de contribuir para a expressividade e força argumentativa do texto.

De outros Gólgotas mais amargos subindo a montanha imensa, — vulto sombrio, tetro, extra-humano! — a face escorrendo sangue, a boca escorrendo sangue, o peito escorrendo sangue, as mãos escorrendo sangue, o flanco escorrendo sangue, os pés escorrendo sangue, sangue, sangue, sangue, caminhando para tão longe, para muito longe, ao rumo infinito das regiões melancólicas da Desilusão e da Saudade, transfiguradamente iluminado pelo sol augural dos Destinos!.. (CRUZ E SOUSA).

Notem que a repetição exaustiva da palavra sangue (9 vezes) é intencional. Por meio da recorrência a esse item lexical, o poeta acentua a ideia de sofrimento.

Coesão por conexão

Ocorre coesão por conexão quando se estabelece uma relação de sentido entre dois segmentos textuais por meio de palavras que funcionam como conectivos (preposições e conjunções), que estabelecem relações sintático-semânticas entre partes do texto. A conexão de segmentos textuais garante a continuidade do texto contribuindo para sua coerência.

Os conectivos podem estabelecer diversas relações de sentido entre segmentos textuais: causa, condição, oposição, explicação etc. A coesão por conexão contribui para a clareza dos textos, na medida em que deixa claras as relações de sentido entre segmentos textuais. Veja alguns exemplos.

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O uso adequado de conectivos garante a coesão textual, porque conjunções e preposições estabelecem relações de sentido entre segmentos textuais. 

No primeiro exemplo, a conjunção se relaciona duas orações em que a segunda exprime condição relativamente à primeira. No segundo, a conjunção porque relaciona duas orações em que a segunda exprime causa em relação à primeira.

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4 Comentários


  1. Na verdade, a palavra “capítulo” que fora omitida no segundo exemplo, não é? Abraços…

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    1. Flavia, tem toda a razão. Na pressa, nem percebi o erro. Já vou corrigir. Muito obrigado pela leitura atenta.

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  2. Oi Ernani! Acho que a palavra omitida no segundo exemplo de coesão por omissão é capítulo, não dissertação, certo? Abs, Paola Gentile

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    1. Isso mesmo, Paula! Na hora de redigir, troquei as bolas. Já alterei. Muito obrigado pela leitura atenta e amigável.

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