Três anos

Tempo de leitura: 4 minutos

Três anos é uma novela de Tchekhov que se lê numa sentada. A edição da Editora 34, com tradução direta do russo por Denise Sales, tem 135 páginas, seguidas de um ótimo ensaio de 17 páginas, escrito pela tradutora. Desde as primeiras linhas, a narrativa nos pega de um jeito que é impossível parar de ler. Ao final, como é comum em Tchekhov, somos nocauteados.

Ler Tchekhov implica ficar muito atento aos pormenores e seguir o que propõe Carlo Ginzburg em Sinais: raízes de um paradigma indiciário, ensaio que consta do livro Mitos, emblemas e sinais (Companhia das Letras). No ensaio, o historiador italiano mostra a importância do particular, do detalhe, para a recomposição dos fatos.

Faço essa observação, pois creio que os sentidos de Três anos ficam mais claros se fizermos uma leitura da novela, como na metodologia proposta por Ginzburg, atentando para o pormenor, particularmente para uma simples sombrinha pertencente à personagem Iúlia Serguéievna. A sombrinha, na novela, é um sinal que indica como está o relacionamento entre Iúlia e Aleksei Láptiev, o protagonista da novela. Para quem não leu Três anos (não sabem o que estão perdendo!), faço um resumo da novela.

Ao escrevê-la, Tchekhov tinha acrescentado o subtítulo “cenas da vida familiar”, que acabou sendo suprimido pelo editor. De modo bastante simples, a novela fala da vida de uma família, os Láptiev, vista a partir de Aleksei, que é o fio condutor da narrativa.

São três irmãos, Fiódor, Aleksei e Nina, filhos do rico comerciante Fiódor Stepánich Láptiev. Aleksei apaixona-se por Iúlia e a pede em casamento. Iúlia, em princípio, recusa (a sombrinha de Iúlia tem papel relevante no pedido de Aleksei). No entanto, arrepende-se e, mais tarde, procura Aleksei para comunicar a ele que aceita o pedido (a sombrinha está presente de novo). Casam-se, mas ambos são infelizes. Ela, por saber que não ama Aleksei, e ele, por saber que ela não o ama.

Os três núcleos da família Láptiev, padecem de infelicidade: Aleksei está casado com uma mulher que não o ama; Fiódor é acometido de doença mental; Nina morre em decorrência de um câncer, deixando órfãos dois filhos pequenos.

Nina e Aleksei têm uma filha, que morre bastante cedo. O patriarca Fiódor já está bastante velho e começa a ficar cego. Os negócios da família de comerciantes vão se desmantelando e agora têm de ser geridos por Aleksei, que além de não gostar e de não ser apto para isso, ainda se opõe ao método usado pelo pai, que consistia em exercer o poder na empresa e na família pela força, pela intimidação e pela violência. Tudo se desintegra e Iúlia, mais madura e bastante mudada, confessa amar Aleksei, que já não a ama mais (mais uma vez a sombrinha aparece na cena).

O tempo da fábula é o que consta do título, três anos. A narração, ao contrário do que ocorre em Minha vida, outra novela de Tchekhov, não é feita pelo protagonista, mas por um observador que nos revela o mundo interior de Aleksei, de forma que a percepção que o leitor tem do tempo da novela é que a história tenha se passado num intervalo de tempo muito maior, em decorrência das retenções que o narrador produz na sequência dos acontecimentos.

Pelo menos, duas leituras podem ser feitas dessa novela. A primeira é a de um personagem em disjunção com a felicidade, que poderia ser obtida por meio do casamento, porque, para Aleksei, num primeiro momento, felicidade é a realização da paixão amorosa, que, no caso dele, não se concretiza com o casamento. A segunda leitura, que não invalida a primeira, é a da dissolução da família Láptiev, mas de um modelo de sociedade e de família baseado na servidão. A felicidade, portanto, está na liberdade. Só seremos felizes se formos livres.

Encerro com a frase final da novela, que exprime o pensamento de Aleksei Láptiev sobre o que o espera no futuro: “Quem viver, verá”.

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4 Comentários


  1. Prezado Ernani Terra,
    Sua análise me deixou com muita vontade de ler o Livro de Tchekhov.
    Obrigada pela dica.
    Saudações.

    Responder

    1. Maria José, obrigado pelo contato. Não é propriamente uma análise, mas um comentário. Quanto a ler o livro, leia sim. É muito bom.
      Ernani

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  2. Boa tarde, Mestre Ernani
    O ideal, é a leitura na integra.

    Responder

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