Tempo de leitura: 2 minutos
As filhas do do falecido coronel, conto de Katherine Mansfield do livro 15 contos escolhidos, publicado pela Editora Record, com tradução de Mônica Maia, merece estar em qualquer lista dos 100 melhores contos da literatura ocidental.
A primeira frase do conto diz “A semana seguinte foi uma das mais atarefadas de suas vidas”. Seguinte a quê? Vidas de quem?
Avançando no texto, o leitor descobre que “a semana seguinte” é a que vem depois da morte do coronel, o pai das protagonistas, as irmãs solteironas, Josephine e Constantia. Morto o pai, as irmãs, começam a mergulhar na intimidade do morto com algum receio.
Entrar na intimidade do morto, no caso, é entrar no quarto do pai, o que não faziam quando ele era vivo, revirar as gavetas, abrir os armários para separar objetos pessoais do falecido a fim de dar destino a eles. Com isso, vão conhecendo o pai.
Como entrar no quarto do pai e mexer nas coisas do morto sem a permissão dele? O que o pai, que em vida sempre fora autoritário, diria se descobrisse o destino que as filhas estavam dando às coisas dele?
O pai já tinha descido à sepultura, elas sabiam que ele não poderia voltar, mas sua autoridade continuava ainda presente.
As ações das filhas permitem ao leitor construir, por meio de não ditos, a imagem do pai como um ser autoritário, que, mesmo morto, continua oprimindo as filhas.
As filhas do falecido coronel, como é comum nos contos de Mansfield, mais sugere do que conta.
PS.: Transcrevo abaixo uma passagem do romance A imortalidade, de Milan Kundera, que, de certa forma, dialoga com o conto de Mansfield, já que fala também da intimidade dos mortos.
“Aos velhos ainda se concedem direitos humanos. Os mortos, contudo, perdem todos os direitos no mesmo segundo em que morrem. Não há lei que os proteja da calúnia; sua privacidade deixa de ser privativa; nem mesmo as cartas que lhes foram escritas pelas pessoas amadas, nem mesmo o álbum de família que sua mãe lhes deixou, nada, nada mais lhes pertence”.
Acompanhe também meus artigos publicados na meer, revista internacional online em seis idiomas. O acesso é gratuito pelo link abaixo.