Tempo de leitura: 3 minutos
Na Folha de S. Paulo de 21 de setembro, o colunista Reinaldo Azevedo diz que vai usar a expressão “capitão reformado” para não ter de repetir a palavra Bolsonaro e questiona se isso é uma antonomásia ou uma perífrase.
Antes de mais nada, esclareço que discutir isso é uma questão bizantina, ou seja, uma questão frívola, de pouca importância, boba. Portanto não se deve perder tempo com isso.
Mas a curiosidade matou o gato. E leitores que seguem o blogue querem saber se há diferença e, em caso afirmativo, onde ela reside. Vamos lá.
Antonomásia e perífrase são o nome de uma figura de retórica (figura de linguagem) que consiste em substituir uma palavra por uma expressão que a identifique com facilidade. Usar capitão reformado no lugar de Bolsonaro. Outros exemplos: o cavaleiro da triste figura, por Dom Quixote; o poeta da Vila, por Noel Rosa; o bruxo do Cosme Velho, por Machado de Assis; a cidade luz; por Paris; o velho Chico, por rio São Francisco.
Como se percebe, em todas elas o procedimento é a substituição de um termo por uma expressão que guarda com ele alguma relação de proximidade, ou seja, são expressões metonímicas.
A retórica teve seu declínio porque começaram a ver as figuras como ornamentos do discurso, ou seja, as figuras teriam a função de embelezar o que se diz. Além disso, privilegiou-se a classificação das figuras, dar nomes a elas, no lugar de se procurar estudar seu verdadeiro papel retórico, qual seja, tornar o discurso mais eficaz, mais persuasivo. Chegou-se a um ponto de os manuais de retórica apresentarem uma relação de centenas de figuras, sendo que entre umas e outras praticamente não havia diferenças. Os exemplos apresentados são prova disso. As expressões Capitão reformado, cavaleiro da triste figura, o poeta da Vila e o bruxo do Cosme Velho são classificadas como antonomásias. A cidade luz e o velho Chico são classificadas como perífrases. Percebeu alguma diferença?
Vamos lá: nos quatro primeiros exemplos, substituem-se elementos humanos (pessoa ou personagem); nos dois últimos, o termo substituído não é humano, mas uma cidade e um rio. Nos quatro primeiros exemplos, a figura recebe o nome de antonomásia; nos dois últimos, de perífrase. Dois nomes distintos para nomear um mesmo procedimento retórico. Frivolidade a toda prova, estupidez, uma questão bizantina. Discutir a diferença entre antonomásia e perífrase é discutir o sexo dos anjos.
Poderia-se, para simplificar, usar apenas o termo antonomásia para ambos os procedimentos. No entanto, ainda persiste na classificação das figuras heranças da velha retórica. Veja-se, a propósito, a distinção que algumas gramáticas fazem entre metonímia e sinédoque. Trata-se de distinção irrelevante, já que o conceito de metonímia engloba o de sinédoque. No frigir dos ovos, poder-se-iam resumir as figuras que se fundamentam no uso de uma palavra ou expressão no lugar de outra em apenas duas: metáfora, quando a substituição se faz com base numa relação de semelhança e metonímia, quando a substituição é feita com base numa relação de proximidade.
Link permanente
Eu teria antonomásia diferente para a figura em questão, mas aí já é outra história… 🙂
Link permanente
Eu também teria, mas por polidez, preferi não declinar a antonomásia.
Link permanente
Idem, principalmente, cinco meses depois, après coup…
Link permanente