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Postei no Facebook um convite para a II Feira da Foda que se realizará nos dias 9, 10 e 11 março na aldeia de Pias, no concelho de Monção, Viana do Castelo, no Minho, em Portugal.
Uma palavra do convite causou indignação e revolta em alguns. Felizmente em outros provocou riso. Era essa a intenção. Aos que ficaram indignados e me excluíram me chamando de devasso entre outros impropérios e àqueles que me denunciaram por postar pornografia esclareço que, no convite, foda refere-se a um prato típico da região, o Cordeiro à Moda de Monção, também conhecido na região como Foda à Moda de Monção. O convite era, portanto, para se comer algo. No caso, o cordeiro assado. Para que não pairem dúvidas, vou deixar as coisas bem claras.
O nome da iguaria tem sua origem numa história. As pessoas iam às feiras para comprar cordeiros para assar nas festividades da Páscoa. Os comerciantes menos honestos costumavam misturar sal em excesso à forragem para que os animais bebessem muita água a fim de que parecessem mais gordos. Quando a pessoa que comprou o animal percebia o logro, dizia: que foda!
O cordeiro à moda de Monção passou então a ser chamado de Foda à moda de Monção, ou simplesmente foda.
A população assumiu o nome e, desde o ano passado, passaram a organizar a Feira da Foda. Criou-se até a Confraria da Foda Pias-Monção, que se encarregou de iniciar um processo a fim de obter a certificação do prato, uma ambição antiga dos moradores da aldeia.
A palavra foda, no sentido que mais usamos, deriva de foder por um processo denominado derivação regressiva. Explico: nesse caso, a palavra derivada (um substantivo) provém de um verbo. Normalmente a derivação se dá por acréscimo de algum elemento à palavra primitiva, um sufixo ou prefixo, daí a derivada ser maior que a primitiva. Na derivação regressiva, há um encurtamento da primitiva, o verbo, para se transformar em substantivo, perde sua terminação: pescar→ pesca; combater → combate, foder → foda. Então para sabermos a origem de foda, temos de buscar a origem de foder.
Esse verbo provém do latim: fodio, -is, -odi, -ossum, -odere cujo sentido é de cavar, escavar, ou seja, abrir uma cavidade, revolver algo com algo instrumento para produzir um buraco. Observe que do particípio desse verbo (fossum) provém a palavra fosso, buraco. Dessa forma: fossum → fossu → fosso.
Tudo que falei ainda está no âmbito do latim clássico e as palavras que em português provêm do latim tem sua origem no latim vulgar.
Foder teria provindo de uma forma hipotética do latim vulgar *futere, que, por sua vez, viria de futuere, já com o sentido de “ter relações com mulher”. Assim: futuere → futere → fudere → fuder → foder. No português brasileiro, a forma fuder ocorre como variante de foder. Em Catão e Plauto, há registro da forma fodire. Há também registros de um infinitivo intensivo-durativo com tema em -a: fodare.
Pessoalmente, prefiro esse verbo empregado em seu aspecto intensivo-durativo.
PS: Não coloquei os sinais de breve (∪) e longa (— ) nas vogais das palavras em latim para indicar a duração porque considerei desnecessário.
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Ernani, em primeiro lugar quero agradecer pelo convite, que me deixou muito honrada! É a primeira vez que sou convidada para uma foda à moda portuguesa, e lamento sobremaneira não poder aceitar – mas um dia, quem sabe?: Viana do Castelo, me aguarde! Depois, só pra ilustrar: o menino perguntou pra professora de inglês o que significava “food”. Quando ela respondeu “comida”, ele se virou pro colega e disse: “Viu, não disse que tinha relação?”. O menino foi expulso da sala, mas criou uma das melhores anedotas semântico-linguísticas que já ouvi… <3
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Ótima!
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Ana, estou tentando compartilhar esse post na minha página no Facebook e não consigo. Dá: ERRO 503. Tentei com outros posts e é possível. Imaginei alguma censura por causa da palavra Foda. Troquei a palavra e continua não compartilhando. Deve ser então problema técnico.
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Também na aula de inglês, mas essa em turma de nível mais avançado, um daqueles moleques mais salientes, querendo constranger a professora, perguntou a ela, “Miss, how do you say “forragem” in English, the food given by farmers to cows and horses?” Ele tinha pesquisado e sabia a resposta. Quando a professora disse “That´s fodder,” (soa exatamente igual à palavra que está sendo destacada, com o r final mudo, no caso de falantes de inglês britânico, como a professora em questão), o engraçadinho cutucou o colega e, bem saliente, comentou “Num te disse?”. Quem sabe há mesmo uma relação. Just kidding… E só por curiosidade, cannon fodder corresponde à nossa “bucha para canhão”.
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Amadeu, essa quem me mandou foi a Ana Luísa:
o menino perguntou pra professora de inglês o que significava “food”. Quando ela respondeu “comida”, ele se virou pro colega e disse: “Viu, não disse que tinha relação?”. O menino foi expulso da sala, mas criou uma das melhores anedotas semântico-linguísticas que já ouvi… ❤
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Caro Prof Hernani Terra, encontrei no Facebook uma ligação para esta entrada do seu blogue. Sou português, historiador do léxico, conheço bastante bem as linguagens por esse Portugal fora, passei mesmo toda a minha adolescência no Minho, e nunca na vida ouvi dizer a um português “Que foda!”. Suponho que, se por acaso se diz, é muito escassamente, e de certeza não o suficiente para criar uma tradição… A origem de “foda” para nome dessa iguaria deverá, muito seguramente, ser outra. Os meus cumprimentos.