Nesciência ou ignorância?

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Na semana passada, postei em minha página no Facebook texto em que discuto o sentido das palavras nesciência e ignorância. No artigo mostro que a diferença está diretamente ligada à modalidade epistêmica do dever saber, entre o obrigatório e o não obrigatório. Como várias pessoas me pediram autorização para reproduzir o artigo, optei por colocá-lo no blogue, na medida que este espaço não tem a efemeridade da linha do tempo da rede social. Segue então o post como apareceu no Facebook em 5 de abril.

Nesciência

Lendo um livro da Anne Hénault, numa passagem em que ela fala sobre a obra de Hjelmslev, deparo-me com a palavra nesciência, que me chama a atenção pela sua pequena recorrência em português. Talvez por isso nem conste no Houaiss e no Aurélio, embora o Volp registre.

Nesciência tem a ver com néscio, que significa desprovido de conhecimento, ignorante. Néscio provém do adjetivo latino nescĭus, a, um, que, por sua vez, se liga ao verbo nescĭo,is,īvi,ītum,īre, cujo sentido é não saber, ignorar.

Ignorância

Não usamos nesciência porque ignorância predomina (a ambiguidade é intencional). Vamos então falar um pouquinho da ignorância. Esta palavra também procede do latim,  ignorantĭa,ae, falta de conhecimento, falta de saber, e a empregamos para designar o estado daquele que ignora. Ignorar é verbo que também provém do latim, ignōro,as,āvi,ātum,āre, cujo sentido é não saber, não conhecer.

Em ignorar temos a raiz -gno, que remete a conhecer. Está presente em palavras como gnose (ação de conhecer), agnóstico, cognoscível, cognitivo, cognoscentecognição.

Então você pode me perguntar qual a diferença entre o nesciente e o ignorante, ou afirmar “eu ignoro se sou um nesciente ou ignorante”. O que é mais grave ser um nesciente ou um ignorante?

Santo Tomas de Aquino

Para responder a questão, tenho de sair da etimologia e entrar na filosofia (é uma rima e espero que seja uma solução). A porta se abre com Tomás de Aquino em sua Suma Teológica, a mesma em que Brás Cubas se viu transformado em seu delírio, depois de ser barbeado por um barbeiro chinês e antes se ser arrebatado por um hipopótamo que o levou a origens dos séculos, onde encontra Pandora.

Segundo o escolástico, nesciência é a simples negação da ciência, no sentido de não estar ciente de algo. A ignorância é não saber algo que você deveria saber. Há coisas que você tem obrigação de saber e, se você não sabe, você é ignorante.

Transcrevo a resposta dada por Tomas de Aquino quando perguntado sobre a diferença entre nesciência e ignorância.

“Respondeo dicendum quod ignorantia in hoc a nescientia differt, quod nescientia dicit simplicem scientiae negationem: unde cuicumque deest aliquarum rerum scientiae privationem…”

Voltando à ignorância, creio que não seja necessário dar exemplos de coisas que você tem obrigação de saber.

Retorno a Hjelmeslev; pois, se para você não conhecer a obra do linguista dinamarquês é apenas mais um caso de nesciência, na minha atividade é caso de brutal ignorância.

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