Cândido, o candidato cândido.

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Aproximam-se as eleições, a temperatura sobe mais ainda e um antigo colega de escola me manda uma mensagem dizendo que o ex-ministro do STF, Ayres Britto, teria declarado que o candidato tem de ser uma pessoa cândida e me pede a opinião sobre isso.

Pressuponho que meu colega não queira ouvir minha opinião política, se eu prefiro o candidato A ou B. Creio que ele se sentiu curioso em saber o que é um candidato cândido, ou se as palavras têm a mesma origem, ou ainda se candidato cândido não seria um pleonasmo, ou uma espécie em extinção .

Quem me conhece e quem acompanha meus posts neste blogue sabe que tenho um caso sério com a etimologia. Caso antigo, fruto de uma paixão avassaladora que me levou a fazer Latim na FFLCH-USP, onde tive alguns mestres que fizeram minha paixão aumentar mais ainda, Antônio da Silveira Mendonça, professor de Língua Latina, nos dois primeiros anos de um curso de Latim de quatro anos, e Isaac Nicolau Sallum, professor de Filologia Românica. Do professor Sallum, não preciso dizer nada. Só a enunciação de seu nome impõe reverência. Mas vamos ao cândido candidato.

A palavra cândido provém do latim: candĭdus,a,um, um adjetivo, cujo significado é ‘branco’, ‘alvo’, ‘claro’, ‘puro’. Para os não familiarizados com a língua latina, esclareço que escrevo candĭdus,a,um, porque apresento a forma masculina (candĭdus), a feminina (candĭda) e a neutra (candĭdum). Na passagem do latim para o português a forma neutra desaparece. Esse adjetivo tem a mesma raiz do verbo latino candēre, indicador de estado, cujo sentido é ser alvo, branco como a neve.

Como vocês estão percebendo cândido tem a ver com brancura, o que se pode comprovar em palavras como candeia, candeeiro, candelabro palavras que designam coisas que servem para iluminar, no sentido de clarear. Cândida ainda se tornou marca de um produto de limpeza conhecido por todos. Não é por acaso que deram o nome de Cândida ao alvejante, lembrando que alvejante é aquilo que usamos para algo tornar alvo, ou seja, branco. E não podemos esquecer que Cândido é também antropônimo, isto é, nome de pessoa. Falar no nome Cândido é lembrar de um brasileiro ilustre, Cândido Portinari, e de uma personagem célebre de um livro de Voltaire.

Cândido

Mas e candidato?

Esta palavra também procede do latim candidātus,i empregado no sentido de postulante a um cargo. Aí temos uma metonímia, uma figura de retórica em que se usa, entre outras relações, o objeto pela pessoa que o utiliza, como flanelinha para guardador de carros. Como os postulantes a funções públicas na antiga Roma usavam toga branca para angariar votos, a peça de roupa passou a designar o todo (toga branca = candidato). Em suma: candidato e cândido são da mesma família, o que significa que, tanto em cândido quanto em candidato, está presente o traço /brancura/.

Por esse breve percurso histórico, vocês já perceberam que há uma relação estreita e antiga entre brancura e pureza. Não é, por acaso, que em nossa cultura, as noivas se vestem de branco para o casamento religioso. Nem todas as noivas são puras, nem todos os candidatos são cândidos. Mas essa é uma outra história que fica para outra vez.

 

 

4 Comentários


  1. Só piorou. Candidamente falando, seu texto me excitou. Por exemplo, a noiva pode não ser, mas o candidato? Candidatura é o quê? Por exemplo, posso votar em alguém não Cândido?
    Por exemplo, o Tiririca? Ou, Marina? Ou, Ciro?

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    1. Você me deixou preocupado. Caramba! Meu texto te excitou! Se as pessoas descobrirem isso, vou ter milhões de leitores. Você pode sim votar em alguém não cândido. Tem sérias contra-indicações e efeitos colaterais terribilíssimos. Na verdade, candidatos cândidos são uma espécie em extinção na fauna brasileira.

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